quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Inquieta e inconformada



De uns tempos para cá é assim que tenho me sentido: inquieta e inconformada.  É como se o meu canal pessoal não estivesse sintonizado com o canal do mundo, das verdades tidas como absolutas, das regras do jogo.  O interessante é que quanto maior é meu incômodo, maior é a certeza de minha vocação... Quem foi que disse que responder ao chamado de Deus para nossas vidas significa encontrar a paz? Pelo contrário! O único recanto onde encontro paz é no coração dEle... No mais, o que pulsa em mim é a inquietação por tantas injustiças, tantos medos impostos aos mais fracos, tanta liberdade cerceada, tanta verdade camuflada para atender ao interesse de alguns, tanta gente triste, desanimada, frustrada...

Já dizia Santa Teresa de Ávila, “tudo passa”... Eu, em meus momentos de solidão, fico me questionando e buscando o discernimento – em oração – sobre o que devo confiar e deixar passar - sob a ciranda do tempo e da consolação - e o que me é dada a responsabilidade de intervir. Tantas vezes a angústia bate à minha porta, porque sou pequena e falível e, por ser assim, muitas vezes não consigo identificar o momento de me posicionar, tomar atitudes, como fez São Francisco;  ou de calar e guardar tudo em meu coração, como viveu Maria, a mãe de Jesus e Nossa Mãe. Longe, muito longe,  de ser como eles dois, esbarro-me  em minhas vaidades e certezas. Tropeço. Levanto. Sigo. Peço a Deus que não me deixe sair do compasso, que eu dance a música que Ele sussurra em meus ouvidos.

Por todas as turbulências do dia a dia, a oração é meu combustível, a Fonte de onde me nutro para não perder o rumo, para buscar viver da forma como Ele espera que eu viva e não do jeito que eu acho que é melhor. São muitos,os apelos do mundo. São muitas informações desencontradas. São muitos anseios e muitas perspectivas diferentes de enxergar a realidade. Somos todos, no mundo de hoje, facilmente influenciáveis. Precisamos ter muito cuidado para não nos deixar levar pela turba... Ou pelas turbas... Daí a sensação de estar em eterna vigília, atenta e desconfiada. Isso inquieta e angustia. Às vezes, traz cansaço também.

Mais acima falei que “quanto maior minha angústia, maior a certeza de minha vocação”, porque é assim que eu sinto... Vem governo de esquerda, vem governo de direita, vem gestão permissiva, vem gestão neoliberal, vem crise, vem pressão, vem maremotos e calmarias, vem metas crueis e luzes apagadas e, no meio de tudo o que vem, uma coisa se enraiza mais profundamente a cada dia: a certeza de minha missão. Tenho certeza de que estou aqui para cuidar das pessoas, para contribuir – através dos dons que Deus me deu – para que o ser humano ocupe seu lugar de protagonista na vida, sujeitos de suas histórias. Quando vejo o desejo humano esmagado pelo rolo compressor das coisas do mundo, meu coração pulsa inquieto. Quando vejo o cuidado com as pessoas ser colocado de escanteio e todas as atenções ficarem voltadas para os cifrões, meu coração engasga, soluça, chora... Ainda que pareça paradoxal, contudo, é  da tristeza que nasce a força que toma conta de mim, trazendo a coragem de lutar, de não me deixar abater. Meu vazio é ocupado pela única “substância” capaz de preenchê-lo:o Amor que me faz amar. Correr riscos, me expor, me indispor, mas amar, amar e amar. Amar com atitides, ações e palavras, mas também com silêncios e oração.

É assim que tenho vivido esses tempos. Assim, acordo todas as manhãs driblando o incômodo  que me desenergiza e transformando-o em inconformismo. Inconformismo movimenta, não abate. Inconformada, peço a Deus que seja a minha força e a minha luz. Quando Ele me abraça na oração, ao mesmo tempo que me consola e acalma,incendeia minha inquietação. Seu Amor provoca em mim, um movimento diferente, que me faz mergulhar e voar. Mergulhada nesse Amor, peço discernimento para não cair nas tentações e nas ciladas da vida. De asas abertas, peço coragem e força para vencer os ventos contrários e chegar aonde for preciso.

Inquieta, inconformada, consolada e impulsionada pelo Amor que dá sentido à minha vida, eu vou... Vou tecendo minha vida.