domingo, 29 de janeiro de 2017

“Maria, ensina teu povo a compadecer-se!”


Fui “chamada” (porque foi um chamado de Deus) para falar sobre esse tema... Por uns dias fiquei pensando, rezando e refletindo sobre a palavra “compadecer-se” e até pensei em focar minha meditação na etimologia e significado dessa palavra tão forte. Compadecer é ter compaixão. Com + paixão =  com o amor que dá a vida - como a paixão de Cristo, que abraçou a cruz por nós. Esse chamado foi para fazer uma meditação fazia parte da novena de Nossa Senhora da Luz. Cada dia da novena teve como tema “Maria, ensina Teu povo a....”. O segundo dia era justamente o que pedia a graça de “compadecer-se”.  

Maior do que a responsabilidade que me havia sido confiada, o que eu sentia era uma tranquilidade que eu nem sabia explicar. A sensação é de que iria falar sobre alguém tão íntimo, que não precisava estudar nem me programar... Só sentir, só rezar...E foi assim que,somente  mais ou menos três dias antes do dia que iria falar sobre esse tema,  parei para ler a passagem bíblica do dia (Lc 1, 39-45): a visitação de Maria à sua prima Isabel. Incrível que não sei quantas vezes já li essa passagem (que, por sinal, é uma das que mais gosto da vida de Maria). Dessa vez, contudo, foi diferente: mergulhada na oração, a partir da leitura, fui escutando o que precisaria falar para as pessoas. As ideias surgiram tão claras que – pela primeira vez na minha vida – não escrevi antes de falar. Meu coração registrou tudo dentro de uma lógica tão perfeita que, qualquer coisa que eu viesse a escrever, correria o risco de perder o fio da meada. Foi assim que deixei o coração falar, sem programar nada.

Agora, dias depois, atendendo ao pedido de amigos, vou tentar escrever o que disse no dia:

Maria visita sua prima Isabel.

1.     Fico pensando nas grávidas de hoje que só comunicam a gravidez a partir do 3º mês, devido ao risco de a gravidez não se consolidar. Imagina se Maria, em algum momento, tivesse se preocupado com esse risco? Jamais encararia a caminhada árdua até a casa de Isabel. Aliás, antes de falar da visita propriamente dita, é impossível não falar do momento que Maria estava vivendo. Há pouco tempo tinha recebido a visita do anjo Gabriel, anunciando-lhe que seria a Mãe do Messias tão esperado. Uma menina... Quanta coisa deve ter se passado na cabeça dessa menina, surpreendida pela visita do anjo, com a notícia que transformaria toda sua vida! Como se isso fosse pouco, tinha sua relação com José, o casamento, a mudança de planos, o pacto de confiança... E o risco social, o apedrejamento, o preconceito, o risco da marginalização... Problemas sérios, situação grave, sobretudo considerando que era uma menina... Acontece que era uma menina plena de Deus, “gestada” de um Deus que lhe preenchia por inteiro. 
Quando estamos assim, mergulhados no amor de Deus, colocamos nossos problemas no devido lugar. Não esquecemos deles, não esquecemos de nossas dores nem de nosso sofrimento, mas conseguimos colocá-los num cantinho (sob a guarda do Amor de Deus) e, assim, somos capazes de olhar para o outro, sentir o sofrimento do outro, viver a experiência da dor do outro e ir ao seu encontro. Foi isso que Maria fez: guardou em seu coração o que era seu e foi ao encontro de Isabel.

     2.    Maria sobe as montanhas de Judá. 
     Quando falamos em montanhas, podemos pensar nelas sob duas perspectivas. A primeira, lembrando que subir a montanha – na bíblia – é viver a experiência do Sagrado. Foi no alto da montanha que Moisés recebeu as tábuas da Lei, foi no alto da montanha que Pedro, Tiago e João viram Jesus transfigurado... Foi preciso subrir as montanhas para que Maria encontrasse Isabel, ou seja, no encontro com o outro,vivemos a experiência do Sagrado.

A outra perspectiva de “montanhas” é aquela que nós, seres humanos, sentimos diante delas: a expectativa de grande dificuldade, dos obstáculos a transpor. E aí, fico pensando em quantas montanhas nós temos colocado entre nós e os outros.  Quantos obstáculos criamos ou supervalorizamos para não ir aonde o povo está, para não fazer o que Jesus espera de nós, para nos mantermos acomodados em nossos mundinhos.

3.    Maria vai à casa de Isabel, não traz Isabel para sua casa. Assim, ela vai viver a experiência de Isabel, no mundo de Isabel. Não pressupõe nada, vai lá. Vê com seus próprios olhos o que Isabel está precisando e a atende em suas necessidades. Não faz o que acha certo, não dá o que imagina que ela esteja precisando. Vai ao mundo de Isabel, sente suas dores, compartilha as dificuldades de Isabel e a serve no que ela necessita. Esse é o grande aprendizado que Maria nos dá: para servir é preciso ir à casa do outro e viver com ele, a sua experiência. Compadecer-se e depois doar o que o outro precisa. Quantas vezes nós fazemos exatamente o inverso? Queremos trazer o outro para nossas verdades, fazer o que julgamos correto. Enchemos-nos de julgamentos e ideias pré-concebidas e achamos que estamos “amando como Jesus amou” . Fazendo o bem. Aliás, a própria expressão “vamos fazer o bem” já pressupõe uma certa superioridade de nossa parte. Como se o bem estivesse em nossas mãos... Raramente “viajamos” ao universo do outro para compreendê-lo em sua essência. Partimos do pressuposto de que quem está na rua precisa de trabalho, não de comida; que os presos “merecem” tudo o que passam nas prisões superlotadas; que os idosos precisam entrar em nossa realidade, em nosso ritmo; que não devemos dar nada às crianças que pedem qualquer coisa na frente dos supermercados. Muitas vezes, ainda, queremos que o outro faça o que nós fizemos, porque deu certo pra gente, como se fosse uma solução pré-moldada, ignorando que o outro é diferente de nós. É difícil pararmos diante de cada um em suas realidades únicas, para conhecer seu histórico de vida, o contexto em que vivem, enfim, suas vidas. As nossas verdades sempre prevalecem diante da real necesssidade do outro. Maria podia ter pensado como nós: o que Isabel, com toda essa idade, foi inventar de engravidar? Não sabia que não iria dar conta? Não imaginou que fosse acabar dando trabalho aos outros? Não, nada disso. Maria foi ao mundo de Isabel, experimentou tudo o que Isabel estava sentindo, compadeceu-se = sentiu as suas dores e fez o que Isabel precisava que fosse feito!

Maria, Mãe Querida, ensina-nos a nos compadecer de todos os que sofrem à nossa volta. Os doentes, os presos, os idosos, as crianças... Ensina-nos a compadecer dos que estão nas ruas, nas periferias e também dos que estão no apartamento do lado do nosso ou em nossas próprias casas.
Ajuda-nos a vencer montanhas e sair de nossas casas, de nossos mundos, a olhar além de nossos próprios umbigos, confiando nossos problemas ao Deus que cuida de tudo e tendo olhos para olhar os outros. Inspira-nos a escutar a voz de Deus e a nos preencher por Seu amor, para doá-lo a quem necessita. Sem julgamentos, sem verdades pré-concebidas... Só com amor. Muito amor. Lembrando que amor é compartamento, é atitude, não é sentimento. O amor que Jesus nos ensina vai além do gostar. Quando o ponto de partida é ELE, somos capazes de amar, mesmo quando não gostamos....

Temos tanto a aprender, Maria! Ensina Teu povo a compadecer-se!


Tentei repetir aqui, como foi no dia que fiz essa meditação, as palavras que brotaram em meu coração. Com certeza, não está exatamente igual, mas acho que consegui colocar aqui a base do que falei. Foi o fruto de um momento de profunda oração, de encontro com essa Mãe que tanto amo.

Que Ela os inspire como tem me inspirado. E que, seguindo seu exemplo, saiamos de nossas casas, encaremos as montanhas e abracemos o Sagrado que vive em cada coração que chora, que sofre e espera.

Renata Villela  -  Janeiro/2017