segunda-feira, 1 de maio de 2017

Trabalho é dignidade


“Sem o seu trabalho, o homem não tem honra"
                                                           Gonzaguinha

Eu tinha vinte e poucos anos, trabalhava em Recursos Humanos, na Rede Meridien, e uma das minhas principais atividades era recrutar e selecionar pessoas. Recebia as vagas com seus respectivos requisitos, analisava os currículos do cadastro e convocava as pessoas para testes e entrevistas. Em seguida, encaminhava os que mais se enquadravam no perfil solicitado para a liderança requisitante. Se, por um lado, esse é um trabalho muito interessante, (porque nos permite conhecer muita gente e sentir a felicidade quando o “sim” é dado a algum profissional), por outro lado, é doído, doloroso, porque o número de vagas disponíveis nunca é igual à quantidade de profissionais competentes em busca de emprego.
Estava acostumada às longas filas e sempre tive o cuidado de, independente do cansaço de horas a fio analisando currículos e entrevistando pessoas, tratar todos com o mesmo respeito e a atenção. Sei que em muitos lugares os desempregados são tratados como números, mas nós (eu e minha equipe) sempre procurávamos enxergar “a” pessoa, inclusive, tentando quebrar o estresse daquele momento difícil. Muita gente passou por mim; foram muitos anos nesse trabalho. Foi ali que uma mulher marcou minha história profissional.
Fazíamos uma seleção para “Caixa de Restaurante”. Os candidatos faziam alguns testes de competência técnica, participavam de dinâmica de grupo e, depois, das entrevistas.A mulher não era candidata. Bateu na porta de minha sala e pediu licença. Chamei-a para entrar e sentar-se. Ela disse que não tomaria muito o meu tempo, queria apenas me dizer uma coisa. Foi aí que, olhando nos meus olhos, ela falou:
“Um homem se humilha se castram seus sonhos,
Seu sonho é sua vida e vida é trabalho
E sem o seu trabalho,
Um homem não não tem honra
E sem a sua honra, se fere, se mata”     

Depois contou-me que o marido estava desempregado há mais de um ano e estava a beira de uma depressão.Pediu-me que não deixasse – sob nenhuma hipótese – que ele soubesse que ela esteve ali comigo, mas que desse a ele, uma oportunidade. Expliquei a ela como se dava um processo seletivo e prometi que, se ele fosse bem no processo, seria encaminhado para a liderança escolher. Era o máximo que eu podia fazer. Aliás, era o que eu faria, com ou sem a intervenção dela. O fato é que aquele encontro, naquele dia, ressignificou o meu trabalho e a perspectiva que passei a dar ao trabalho de cada um. Eu era jovem demais para entender um monte de coisas, mas naquele instante, eu entendi que o trabalho é muito mais do que uma forma digna de ganhar dinheiro. É um alicerce da dignidade humana. O rapaz –por mérito próprio – conseguiu a vaga de emprego. Depois foi até promovido. Eu saí do Meridien e ele ainda trabalhava lá.

Anos mais tarde, fui eu que vivi a experiência do desemprego, a dor de querer trabalhar e não ter oportunidade no mercado. Senti na pele o quanto a falta de trabalho mexe com a autoestima, o senso de pertença e o próprio sentido da vida. Tive a sorte de ter amigos e família que me apoiaram e a coragem de recomeçar do zero.
Há pouco tempo, tive uma das mais tristes experiências de minha vida profissional: ser obrigada a dispensar profissionais extremamente competentes, por definição da companhia, que terminou com todos os contratos. Ver essas pessoas, competentes, comprometidas, éticas e criativas serem disponibilizadas ao mercado de trabalho, num momento em que o país está com um número crescente de desempregados, doeu demais. Sei bem que ficar sem trabalho é muito mais do que ficar sem um ganha-pão. A sensação de impotência foi enorme e não tem um dia que eu não peça a Deus para que novas portas se abram para essas e para todas as pessoas que estão nessa situação tão crítica em nosso país.
Nesse fim de semana, peguei o uber três vezes e, por coincidência, os motoristas foram três pessoas com mais de cinquenta anos, todos sem oportunidade no mercado de trabalho: um consultor de sistemas da informação, um adminstrador de empresas e um contador. Três motoristas! E, ainda que seja esse um tema bastante controverso, bendita uber que está devolvendo a dignidade a pessoas cheias de gás para produzir e servir à sociedade.
Hoje, dia do Trabalho, todas essas lembranças e reflexões vêm a minha mente e coração. Não posso deixar de agradecer a Deus pela oportunidade de trabalhar não apenas para ganhar meu salário no final do mês, mas para fazer valer minha missão nesse mundo. Sei que – infelizmente – faço parte de uma minoria. Aproveito também esta data para dizer muito obrigado a todos os profissionais que cruzaram o meu caminho e que tanto me ensinaram com seu conhecimento, sua competencia, seu comprometimento e sua postura ética.
Estamos beirando uma reforma trabalhista. No meio das interrogações, ficam apelos: que o significado do trabalho não se perca nos números; que as relações de parceria que geram os melhores resultados não se percam no embate patrão X empregado. Sobretudo, que o trabalho seja o principal gerador de renda em nosso país, para que todos tenham seus direitos preservados, seus ganhos garantidos e suas vidas vividas com justiça e dignidade.
Que esse dia, mais do que de festas, seja de conscientização. Independente de profissão, que todos os trabalhadores recebam nosso muito obrigado por sua dedicação e serviço prestado à sociedade. Que recebam salários justos e que tenham as condições necessárias para cumprir suas atividades laborais.
Aos garis, professores, empregadas domésticas, médicos, engenheiros, porteiros, pintores, manicures, psicólogos, pedagogos, arquitetos, cozinheiros, garçons,motoristas, artistas, administradores, atendentes, padeiros, farmacêuticos, nuticionistas, assistentes sociais, analistas, ambulantes, marceneiros, pescadores, enfermeiros, vendedores, a todos, indiscrimidamente, meu muito obrigado!E minha reverência!
Aos desempregados, meu desejo verdadeiro de que não percam a fé nem a coragem. Façam o que for possível e preciso para que sejam o melhor que puderem ser. Busquem alternativas e foquem no que desejam. Acreditem: tudo passa! E manhãs ensolaradas são mais bonitas depois de noites chuvosas. Creiamos nas novas manhãs!