Deixei passar uns dias, a emoção acalmar, a
tristeza desafogar o peito e o susto dar lugar à serenidade, para escrever
sobre o fato que abalou grande parte dos brasileiros nesses últimos dias: a
morte do ator Domingos Montagner.
As primeiras notícias pareciam fake... Nossos
corações teimavam em não acreditar! Aos poucos, a incredulidade foi dando lugar
à indignação e a nós, coube apenas aceitar o inusitado.
Por que ficamos tão tristes? Ficamos
tristes diante da morte que rouba sonhos e planos. Ficamos tristes diante da
partida prematura de um grande artista e uma bela pessoa.
É conhecida a afirmação de que “a única
certeza da vida é a morte”, mesmo assim, nunca estamos preparados para ela.
Sobretudo quando a vida parece pulsar em seu auge, quando saúde, felicidade e
sucesso parecem estar de mãos dadas e, repentinamente, uma outra verdade rompe
bruscamente o grande espetáculo da existência. Não tem jeito, a morte ignora
planejamentos. Somos vulneráveis, frágeis, pequenos demais diante dos mistérios
que nos envolvem !
Além disso, não foi a morte de uma pessoa
qualquer, foi a morte de um palhaço! Em nossa percepção limitada, palhaços não
combinam com lágrimas. Não foi a morte de uma pessoa qualquer, foi a morte de
um artista e artistas de verdade sintonizam com o que temos de mais essencial.
Não foi a morte de uma pessoa qualquer, foi a morte de um ser humano que
honrava valores tão desprezados em nosso tempo.
Morreu um cara diferente, esse é o discurso
que se repete a cada pronunciamento. Morreu o “santo” de “sete vidas” que fez tantos
se reconhecerem nas dúvidas e na paixão, nos sonhos e nos medos, na coragem, na
verdade e na humanidade de seus personagens. Morreu o que, em “Velho Chico”,
encarnou a fibra do nordestino que não desiste nunca.
Muitos falaram que o Domingos era um “ser
de luz”...Fiquei imaginando a luz que mergulha nas águas do rio. Veio em meu
coração, a imagem de um batismo: águas de purificação e renovação. Encontro de
luz e água. Fim e começo. Vida, morte, vida.
Foi uma despedida. Sim, uma despedida... Não
do jeito que ele ou a Camila imaginaram. Não do jeito que ninguém seria capaz
de supor. As gargalhadas despertadas pelo palhaço molharam-se e calaram-se. O
São Francisco – tão desprezado, maltratado e esquecido – abraçou o porta-voz de
seus ribeirinhos. Um rito de passagem e, como disseram os indígenas, ele não
morreu, apenas ganhou mais luz, mais força.
Não foi um evento místico nem uma
manifestação holística como alguns disseram. Foi uma fatalidade. De certa
forma, foi também consequência da irresponsabilidade dos que não sinalizaram
devidamente o local. Poderia ter sido
diferente? Talvez sim, talvez não. Na vida real, “e se” não tem efeito algum.
Triste. Surpreendente. Não estava no script. Não foi uma cena. Não foi
gravação. Não fazia parte de roteiro algum.
Foi a morte de um artista. Morreu um homem
de bem. Quando artistas morrem levam um
pouco de nós, porque são vozes de nossas almas. Quando homens de bem morrem
deixam um tanto de si em nossos corações, reforçando nossa esperança e nosso desejo de fazer diferença nesse mundo
tão louco.
O que fica é um imenso silêncio. Silêncio
de tristeza, sim, mas, sobretudo de reverência! Obrigada, Domingos Montagner,
por sua arte e por sua verdade! Obrigada por sua sensibilidade e por sua
alegria! Obrigada por sua luz, por seus valores, por ter compreendido e transmitido
com tanta propriedade, as dores e os sonhos dos nordestinos.
Obrigada
por sua vida!
Desejo que seus filhos passem – com amor –
por essa turbulência! Que vivam – em comunhão
com tantos que vocês cativou – e possam, daqui a um tempo, celebrar sua vida.
Desejo que guardem em seus corações, a honra de serem filhos de uma pessoa que
deixa marcas de dignidade num país atolado em corrupção e marcas de
sensibilidade num tempo de indiferença
e desesperança.
Benditos os que mergulham e não voltam, mas
ficam no lugar mais sagrado de todas as pessoas: em seus corações. Bendita, a
sua vida ! Bendito, o seu legado.