“Sem o seu
trabalho, o homem não tem honra"
Gonzaguinha
Eu
tinha vinte e poucos anos, trabalhava em Recursos Humanos, na Rede Meridien, e
uma das minhas principais atividades era recrutar e selecionar pessoas. Recebia
as vagas com seus respectivos requisitos, analisava os currículos do cadastro e
convocava as pessoas para testes e entrevistas. Em seguida, encaminhava os que
mais se enquadravam no perfil solicitado para a liderança requisitante. Se, por
um lado, esse é um trabalho muito interessante, (porque nos permite conhecer
muita gente e sentir a felicidade quando o “sim” é dado a algum profissional),
por outro lado, é doído, doloroso, porque o número de vagas disponíveis nunca é
igual à quantidade de profissionais competentes em busca de emprego.
Estava
acostumada às longas filas e sempre tive o cuidado de, independente do cansaço
de horas a fio analisando currículos e entrevistando pessoas, tratar todos com
o mesmo respeito e a atenção. Sei que em muitos lugares os desempregados são
tratados como números, mas nós (eu e minha equipe) sempre procurávamos enxergar
“a” pessoa, inclusive, tentando quebrar o estresse daquele momento difícil.
Muita gente passou por mim; foram muitos anos nesse trabalho. Foi ali que uma
mulher marcou minha história profissional.
Fazíamos
uma seleção para “Caixa de Restaurante”. Os candidatos faziam alguns testes de
competência técnica, participavam de dinâmica de grupo e, depois, das
entrevistas.A mulher não era candidata. Bateu na porta de minha sala e pediu
licença. Chamei-a para entrar e sentar-se. Ela disse que não tomaria muito o
meu tempo, queria apenas me dizer uma coisa. Foi aí que, olhando nos meus
olhos, ela falou:
“Um
homem se humilha se castram seus sonhos,
Seu
sonho é sua vida e vida é trabalho
E
sem o seu trabalho,
Um
homem não não tem honra
E
sem a sua honra, se fere, se mata”
Depois contou-me que o marido
estava desempregado há mais de um ano e estava a beira de uma
depressão.Pediu-me que não deixasse – sob nenhuma hipótese – que ele soubesse
que ela esteve ali comigo, mas que desse a ele, uma oportunidade. Expliquei a
ela como se dava um processo seletivo e prometi que, se ele fosse bem no
processo, seria encaminhado para a liderança escolher. Era o máximo que eu
podia fazer. Aliás, era o que eu faria, com ou sem a intervenção dela. O fato é
que aquele encontro, naquele dia, ressignificou o meu trabalho e a perspectiva
que passei a dar ao trabalho de cada um. Eu era jovem demais para entender um
monte de coisas, mas naquele instante, eu entendi que o trabalho é muito mais
do que uma forma digna de ganhar dinheiro. É um alicerce da dignidade humana. O
rapaz –por mérito próprio – conseguiu a vaga de emprego. Depois foi até
promovido. Eu saí do Meridien e ele ainda trabalhava lá.
Anos
mais tarde, fui eu que vivi a experiência do desemprego, a dor de querer
trabalhar e não ter oportunidade no mercado. Senti na pele o quanto a falta de
trabalho mexe com a autoestima, o senso de pertença e o próprio sentido da
vida. Tive a sorte de ter amigos e família que me apoiaram e a coragem de
recomeçar do zero.
Há
pouco tempo, tive uma das mais tristes experiências de minha vida profissional:
ser obrigada a dispensar profissionais extremamente competentes, por definição
da companhia, que terminou com todos os contratos. Ver essas pessoas,
competentes, comprometidas, éticas e criativas serem disponibilizadas ao mercado
de trabalho, num momento em que o país está com um número crescente de
desempregados, doeu demais. Sei bem que ficar sem trabalho é muito mais do que
ficar sem um ganha-pão. A sensação de impotência foi enorme e não tem um dia
que eu não peça a Deus para que novas portas se abram para essas e para todas
as pessoas que estão nessa situação tão crítica em nosso país.
Nesse
fim de semana, peguei o uber três vezes e, por coincidência, os motoristas
foram três pessoas com mais de cinquenta anos, todos sem oportunidade no
mercado de trabalho: um consultor de sistemas da informação, um adminstrador de
empresas e um contador. Três motoristas! E, ainda que seja esse um tema
bastante controverso, bendita uber que está devolvendo a dignidade a pessoas
cheias de gás para produzir e servir à sociedade.
Hoje,
dia do Trabalho, todas essas lembranças e reflexões vêm a minha mente e
coração. Não posso deixar de agradecer a Deus pela oportunidade de trabalhar
não apenas para ganhar meu salário no final do mês, mas para fazer valer minha
missão nesse mundo. Sei que – infelizmente – faço parte de uma minoria. Aproveito
também esta data para dizer muito obrigado a todos os profissionais que
cruzaram o meu caminho e que tanto me ensinaram com seu conhecimento, sua
competencia, seu comprometimento e sua postura ética.
Estamos
beirando uma reforma trabalhista. No meio das interrogações, ficam apelos: que
o significado do trabalho não se perca nos números; que as relações de parceria
que geram os melhores resultados não se percam no embate patrão X empregado.
Sobretudo, que o trabalho seja o principal gerador de renda em nosso país, para
que todos tenham seus direitos preservados, seus ganhos garantidos e suas vidas
vividas com justiça e dignidade.
Que
esse dia, mais do que de festas, seja de conscientização. Independente de
profissão, que todos os trabalhadores recebam nosso muito obrigado por sua
dedicação e serviço prestado à sociedade. Que recebam salários justos e que
tenham as condições necessárias para cumprir suas atividades laborais.
Aos
garis, professores, empregadas domésticas, médicos, engenheiros, porteiros,
pintores, manicures, psicólogos, pedagogos, arquitetos, cozinheiros, garçons,motoristas,
artistas, administradores, atendentes, padeiros, farmacêuticos, nuticionistas,
assistentes sociais, analistas, ambulantes, marceneiros, pescadores,
enfermeiros, vendedores, a todos, indiscrimidamente, meu muito obrigado!E minha
reverência!
Aos
desempregados, meu desejo verdadeiro de que não percam a fé nem a coragem.
Façam o que for possível e preciso para que sejam o melhor que puderem ser.
Busquem alternativas e foquem no que desejam. Acreditem: tudo passa! E manhãs
ensolaradas são mais bonitas depois de noites chuvosas. Creiamos nas novas
manhãs!