Há
tempos estou com vontade de escrever para partilhar meus sentimentos, meus
questionamentos, minhas inseguranças e minha esperança. Às vezes me sinto como se
estivesse naquelas piscinas de bolas que existem nos parques infantis, só que numa
piscina funda e com o piso escorregadio. Cada dia jogam mais bolas e mais
difícil se torna manter-me de pé e respirando. Outras vezes, me sinto no meio
de uma multidão que, a cada hora, responde a determinado comando, mas está sem
bússolas e, por isso, não sabe ao certo para onde está indo. O fato é que, a
cada dia, somos surpreendidos por notícias que nos deixam indignados: são
atentados terroristas, chacinas, políticos corruptos acobertados pelos que
detêm o poder, jovens que matam jovens, enfim... E é assim que os meus
sentimentos se encontram com os seus e quando olhamos em volta, estamos todos
indignados, aturdidos, paralisados. E aí?
Tenho
pensado no papel das escolas, das famílias, dos amigos, da vizinhança, da enxurrada
de informações, da tecnologia, da espiritualidade (seja na vivência das
religiões ou não) na formação de nossas crianças e de nossos jovens. Criamos
esse emaranhado todo que é o século XXI e, agora, cabe a nós, desamarrar a
realidade para ofertar a eles, um mundo – pelo menos – com esperança.
Não
vou falar de cada um desses pontos que citei acima detalhadamente; quero expor
as coisas que venho pensando, como sementes lançadas ao vento. Não tenho
pretensão de trazer resoluções nem – muito menos – quero “colocar na roda”
famílias e escolas. Espero apenas que as minhas palavras pousem em seus corações
e façam brotar alguma nova reflexão. E que, da soma de nossas reflexões,
geremos algum movimento novo.
Começando
pelas escolas, incomoda-me profundamente ver que muitas instituições de ensino
tornaram-se empresas, deixando para segundo plano, seu caráter educador. São
empresas que oferecem conteúdos para que seus alunos (clientes) passem no
vestibular. Importa satisfazer as expectativas dos clientes (pais e alunos),
assim como fazem as concessionárias de veículos e as lojas de conveniências. Com
isso, a educação se esvaziou. O cuidado
com o outro, o respeito aos professores, a ética e a cidadania, a transmissão
dos valores essenciais à vida em comunidade perderam-se no meio das fórmulas de
física, das listas de exercício de matemática e dos simulados periódicos. Nesse contexto, cresce o desrespeito aos
professores que não podem mais agir como educadores, já que o que se espera
deles é apenas o fornecimento de informações. Nesse contexto, cresce o
bullying, pois os alunos perderam a percepção da convivência com os diferentes
e o movimento de criar vínculos verdadeiros com os colegas, a fim de fazer
deles, amigos.
Das
escolas para famílias, entramos num ambiente de carência e desencontros. A
grande maioria dos pais está no mercado de trabalho, trabalhando cada vez mais
para dar cada vez mais coisas a seus filhos. Não só produzem para saciar suas
necessidades, mas criam necessidades para atender a ansiedade de preencher um vazio
crescente, que não pode ser preenchido. Nessa roda-viva, no pouco tempo que
resta para dar atenção aos filhos, fica difícil desagradá-los, dizer não,
colocar limites. Mais do que os próprios filhos, os pais querem ser amados e é
aí que começa a distorção de papeis e responsabilidades. Filhos não sabem mais
qual o seu papel e ditam as regras. Pais não sabem mais seu papel e entram no
jogo. As carências de um e outro criam uma distância entre quem realmente são e
os papeis que desempenham. Assim, para os filhos, cada vez mais cursos e
atividades; para os pais, cada vez mais cansaço e culpa. Para os dois, cada vez
menos amor e verdade. Menos diálogo, parceria nas dificuldades e alegria
verdadeira nas celebrações
Nossas
crianças e nossos jovens vão crescendo assim e é assim que mergulham nos jogos
eletrônicos e nas redes sociais, onde não precisam olhar nos olhos nem encarar
conflitos. Tornam-se cada vez mais sós. Até aquela coisa da vizinhança amiga,
onde o filho de um tomava café na casa do outro, se perdeu. Hoje, todos
desconfiamos de todos e, na maioria das vezes, nem sabemos o nome do vizinho de
porta.
Nossas
crianças e jovens estão crescendo assim, enquanto nós – adultos – assistimos os
noticiários que só falam de corrupção e violência e continuamos vivendo como se
essas informações fizessem parte de uma realidade que não é a nossa. Nós,
adultos, ficamos semanas e mais semanas comentando um atentado terrorista que
matou 5 pessoas na Europa e nem prestamos atenção que, na Somália, outro
atentado matou mais de 300... Mas onde é mesmo a Somália? Não interessa....
Ficamos arrasados com a notícia do adolescente que matou seus colegas numa
escola particular em Goiânia, mas nem temos noção de quantos adolescentes têm
morrido nas escolas da Rocinha e dos bairros de periferia de nosso país. É
assim. Conscientemente ou não, a mensagem subliminar que passamos às nossas
crianças e a nossos jovens é, no mínimo, esquisita, afinal, vida é vida, independente do lugar em que ela esteja. Estamos fechados em nossas
conchas, atrás de tantas grades que vamos nos esquecendo das coisas que valem a
pena na vida. Esquecemos de amar!
Está
faltando amor no nosso mundo e em nossos corações, amor verdadeiro, aquele que
nos faz ser quem somos e acolher as
diferenças dos que convivem conosco, sabendo que essas diferenças só nos farão
crescer. Amor que nos inspira a cuidar e a respeitar o outro. Está faltando
em nós, a experiência do amor, que é muito diferente das falas xamegosas de “eu
te amo”. Está faltando em nós, ser presença uns para os outros, olhar para quem
está de nosso lado, conhecer quem convive conosco. Está faltando escolher uma escola para nossos
filhos, pelos valores que a permeiam e não pelo número de aprovações no
vestibular que ela apresenta nos outdoors. Está faltando em nossas famílias, sentar
na mesa juntos na hora do almoço para repartir o frango, negociando quem vai
comer as coxas, as asas e as partes que cada um gosta mais... Sair no domingo para andar de bicicleta...
Sentar para estudar. Deitar na cama para contar como foi nosso dia e dividir
nossos medos, mostrando que a vida não é um conto de fadas e que, nem sempre, conseguimos ter o que desejamos.
Quem
pegou a bússola para nos mostrar o caminho que precisamos seguir? Vamos nos
olhar, procurar em nossos bolsos e escutar nossos corações. Deixemos de lado o
ímpeto de dividir as pessoas em vítimas e culpados, fracas e fortes, gordas e
magras, pobres e ricas, certas e erradas e cuidemos melhor uns dos outros. Não
esperemos novos atentados, seja lá em que
parte do mundo for. Não esperemos que mais um jovem atire em seus colegas ou se
jogue do 30° andar do prédio onde mora. Vamos conversar mais, prestar mais
atenção uns nos outros, ver além das aparências, sem julgar. Vamos transformar
nossa indignação em inquietação e nossa inquietação em atitudes! Vamos?
Cá no fundo do meu coração, desconfio que cada um de nós tem uma bússola em sua mão. E ela aponta o
caminho de um em direção ao outro. Vamos lá ! Tire sua bússola do bolso, vem
pra cá, eu vou pra aí. Que nossas diferenças não criem paredes entre nós! Que
nossas verdades não sejam absolutas, mas que tenham braços para abraçar a
verdade do outro! Que tenhamos consciência de que todos precisamos uns dos
outros! Que lembremos, dia a dia, que educar é dar limites e saber dizer não,
assim como é valorizar os tesouros que cada um traz no coração. Que procuremos compreender mais e julgar
menos... E amar de verdade.
Escrevendo
aqui, comecei a sentir meu coração pulsar de um jeito diferente... Sinto a
esperança mostrar sua primeira folhinha, ao brotar. Começo
a acreditar que somos capazes de sair da piscina de bolas e correr pelos
jardins, sentindo a liberdade que nos foi dada de presente. Somos capazes, sim,
de nos afastar da multidão e pegar pela
mão quem está perto de nós, pra brincar de roda, pra sentar no chão, pra olhar
nos olhos e, juntando nossas bússolas e nossa
vontade de ser feliz, fazer uma história diferente.