Desde que a Copa do Mundo começou, eu queria escrever.... Algum
bichinho aqui dentro, entretanto, me dizia para esperar...Chegou a hora!
São várias reflexões, alguns questionamentos, certezas que
nasceram, dúvidas que surgiram...E o desejo de partilhar com vocês o que ficou.
Hoje, no trabalho, eu falei para alguns líderes que “o mundo da retórica deu
lugar ao mundo da síntese”, mas peço desculpas a todos, pois aqui o que vou
usar é a retórica. Fica o desafio de ler até o fim....rs.....
Antes de qualquer coisa, quero dizer com toda verdade de meu
coração que o que estou escrevendo é o que penso e sinto. Respeito outras
opiniões e outras percepções. Sei que muitas vezes falo e escrevo com uma
entonação que pode parecer que sou a dona da verdade, mas falo o que acredito,
o que é verdade PARA MIM. Não acredito na verdade absoluta, por isso acho muito
legal esse espaço de liberdade onde cada um pode, ao mesmo tempo, expressar e
receber a “verdade” de cada um, sabendo que todas são relativas.
A primeira coisa que
eu quero resgatar é o que falei desde o início: consciência política é
consciência política, esporte é esporte. Não acho legal misturar as coisas. Não
quero trazer aqui as críticas e questionamentos sobre a realização do Copa no
Brasil e os interesses políticos que permearam nossa história, desde a decisão
até a realização da Copa. Como a maioria dos brasileiros, concordo que temos
outras prioridades, mas não é essa a tônica do que quero falar.
Acho a Copa do mundo um evento muito legal: a reunião de
famílias, de amigos, a alegria e o sofrimento comum, o esporte assumindo um
papel importante (que ele deve sempre ter) na vida das pessoas. Eu falei
importante, não fundamental. Não adianta a gente querer que o povo deixe de
curtir os jogos de futebol, não adianta ficar repetindo que é “tudo pão e circo”.
Gostamos de futebol! Podemos continuar gostando de futebol, não tem nada de
errado nisso. Povos cultos e educados também gostam de futebol. Na minha
cabeça, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Acho muito legal
também ver o povo cantando junto o hino nacional, esse sentimento de sermos “brasileiros
com muito orgulho e com muito amor”, mas isso eu comento depois.
Aí vem o jogo de hoje: uma derrota inacreditável! Nenhum de
nós esperava por aquilo... Mas o pior, para mim, não aconteceu dentro do campo,
mas fora. O pior foi ver os jornalistas dizerem que o jogo foi a maior
humilhação que o Brasil já passou em sua história, que vivemos uma vergonha
nacional e que as crianças jamais vão esquecer a tragédia deste dia....Com
certeza foi um dia crítico, mas um dia crítico para o FUTEBOL brasileiro, não
para a história do país! Pelo amor de Deus.... Depois as pessoas ficam chamando
os jogadores de chorões e descompensados... Como não ficar assim diante do
papel de super-heróis e da responsabilidade de “salvar” o país que se colocou
sobre eles? Eles são apenas jogadores de futebol! Eles jogaram mal, sim. Não
estou aqui com lentes cor-de-rosa para dizer que eles jogaram bem e perderam por
azar. Eles perderam porque jogaram mal e, por outro lado, a seleção alemã jogou
muito bem. Eles perderam porque se descompensaram, sim.... Mas será que algum
de nós não teria se descompensado em situação semelhante? Como a maioria dos brasileiros, fiquei triste
e decepcionada.... Aaaahhh, seria tão legal levantar a taça no Maracanã.... Mas
longe de ter ficado arrasada ou com raiva dos jogadores, muito menos sentindo
vergonha.... Vergonha de quê? Perdemos de 7 a 1. Ponto.
Outras reflexões:
Não entendo muito de futebol, de táticas e técnicas. Não
entendo nada da política que corre por trás de uma Copa do Mundo (nem quero
entender), mas do pouco que entendo de gente e da paixão que tenho pelo ser
humano, algumas coisas ficam reverberando no meu coração. A primeira delas é o
exercício da empatia...Colocar-me no lugar desses meninos que estavam no campo.
Sim, meninos! Os personagens dessa história têm, em média, 25 anos. É uma das
seleções mais jovens da Copa. A maioria deles vêm de família pobre, cada um com
sua história. Cada um já esteve do outro lado, passando por situações difíceis
no seu dia a dia e se deslumbrando com os jogos da Seleção. Hoje se veem do
lado de quem escreve a história (do futebol!). Imagino-os transbordando de
desejo de dar ao povo – que eles conhecem tão bem – a alegria da vitória. Estou
falando aqui na esfera dos “sonhos”. Na camisa de cada um deles estava o peso
da realização de um sonho dos brasileiros.... Que coisa maluca, mas tão
verdadeira! E, num país como o nosso, em que o coração pulsa em todas as
células do corpo, não teria como ser diferente...Não nesse momento!
Abro aqui um parêntese para falar dos altos salários que
recebem como jogadores profissionais nos times em que atuam. Eu sou a primeira
a criticar a distorção do que é pago a um jogador de futebol e a um médico ou a
um professor...E aqui não estou falando de Brasil, até porque não é o Brasil, o
país que faz essas grandes distorções, mas sim, os países mais educados e
cultos do mundo...Ironia.... Países que hoje conhecem a dor do desemprego tanto
quanto nós. Li uma reportagem que dizia que 70% da população ativa da Espanha
está desempregada. Justamente o país do Barcelona, do Real Madrid.... Não quero
entrar nesta seara, foi mesmo só um parêntese. O que eu queria, nesse
parêntese, era trazer o questionamento sobre a responsabilidade de quem paga,
mais do que de quem recebe. A quem recebe, cabe a responsabilidade de usar bem
o que ganha, sabendo direcionar o possível para o bem comum. Eu não sei o que
cada um faz com o que ganha, por isso, não vou julgar. Também não conheço
ninguém que se recebesse a oferta de um salário astronômico diria que não quer.
Conheço, sim, muitas pessoas que aceitariam e direcionaria 90% de tudo para o
social. Resumindo: o absurdo é pagar salários astronômicos, receber não é
pecado! Mas isso também é papo para mais de metro, assunto para outro texto,
talvez....rs....
Voltando....
Como já escrevi demais (avisei antes!), vou pontuar algumas
coisas em tópicos:
1.
Já vi, em outras Copas, o povo criticando os
jogadores por jogarem de “salto alto”. Não vi isso nessa seleção. Vi coração
pulsando na ponta de cada chuteira. Vi um time jogando com garra, com vontade, com
“propósito”. Agora criticamos o excesso de emoção....Somos assim!
2.
Somos latino-americanos, é fato. Somos um povo
com a emoção a flor da pele. Não crucifico os jogadores por terem chorado
depois da pressão do jogo contra o Chile. São humanos. Já vi muita gente chorar
depois de realizar um objetivo que parecia impossível. Não condeno os jogadores
por terem dado caruara depois de tomarem 4 gols em seis minutos... Não achei
natural, não fiquei tranquila, achando que estava tudo certo. Óbvio que não! Fiquei
triste e decepcionada também, mas não consegui deixar de me colocar no lugar
deles. Há cerca de 3 anos, mais ou menos, fez-se a opção de iniciar um trabalho
com uma nova seleção. Zerar tudo e começar a preparar um time. Todo mundo sabia
que a escolha era essa e a escolha tem seu preço. Não dá para querer exigir
desses meninos, a maturidade que nós desejamos que tenham. Não dá para cobrar
um resultado sem a preparação necessária. Essa paulada os fará amadurecer e
trará um aprendizado inenarrável. Que eles saibam aproveitar e crescer.
3.
Hoje,
numa reunião de trabalho falávamos sobre o erro, sobre a importância de errar
para aprender.... O erro aconteceu...E um erro grave. E agora? Fazer o que com
isso? Se em campo, no futebol, eles deixaram MUITO a desejar, ao saírem do
campo, na minha opinião, foram nota dez: não colocaram a culpa em ninguém, não
fugiram à responsabilidade, pediram desculpas ao povo brasileiro e, mesmo
arrasados, levantaram a cabeça e aplaudiram a torcida. Não vai resolver o
problema, não vai mudar o curso da história, mas vai mostrar que se pode perder
com dignidade. Por outro lado, a torcida, mesmo arrasada e decepcionada, mesmo
tendo gritado olé em vários momentos do jogo, respondeu as palmas dos jogadores
cantando “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”
4.
Contrária à opinião de muitos, eu vi nesse time,
um grupo. Vi vínculos criados, vi objetivo comum. A questão é que não é um
grupo pronto, mas um grupo em formação. Precisa ainda muito aprender, muito
praticar para criar o entrosamento necessário. A equipe da Alemanha trabalha
junto há 6 anos. Vi nessa seleção entrega e trabalho, vi seriedade e
comprometimento. Estou dizendo isso na perspectiva da profissão que escolheram,
não de salvadores da pátria.
5.
Contrariando novamente a opinião de muitos, para
mim, Felipão é um exemplo de líder. Ainda vou recuperar a entrevista que ele
deu depois do jogo para trabalhar suas palavras com as lideranças com que
trabalho. Não sei nada de sua competência técnica, mas já acho muito legal ele
fazer uma dobradinha com Parreira que, de cara, tem um estilo bem diferente do
dele. Como líder de pessoas, eu tiro o chapéu para ele. E hoje, depois do jogo,
ele agiu exatamente como eu considero que um verdadeiro líder deve agir.
6.
O esporte é um dos meios mais eficazes de
promover a educação. Através do esporte, muito se pode fazer. O esporte e a arte
são, na minha opinião, dois instrumentos importantíssimos no resgate da
dignidade e da autoestima das pessoas e ensinam muito. Talvez, um dos
aprendizados da Copa seja o de olhar para TODOS os esportes e não apenas para o
futebol e investir em todos, não como formadores de super heróis, como fábrica
de milionários ou de salvadores da pátria, mas como meios efetivos de encarar a
vida sob outra perspectiva. Falando nisso, alguém sabia que Thiago Pereira
ganhou medalha de outro na natação hoje?
7.
Para terminar os tópicos, só uma observação: eu
fiquei chocada com a agressividade que vi rolando nas redes sociais... Acho
legal o bom humor, aquela velha história de fazer limonada dos limões mais
azedos.... Eu mesma sempre posto algumas brincadeiras, acho saudável. Mais vi
alguns excessos que me incomodaram e, confesso, me deixaram mais triste do que
a partida em si.
Bem, foi só um jogo de futebol...Com certeza, apenas um jogo
de futebol. Mas foi um “evento” que mobilizou o país inteiro. Tudo o que
mobiliza merece atenção, merece reflexão. Tudo o que mobiliza, ensina. Claro,
ensina a quem se dispõe a aprender. E cada um aprende o que quer aprender. Espero
que aprendamos muito, não apenas com esses 7 a 1, mas com tudo o que aconteceu
nesses dias, o comportamento dos atletas e o comportamento da gente....
Para terminar, um pedido: não vamos fazer eco dessa história
de que somos o cocô do cavalo do bandido e os alemães são os maravilhosos. Vamos
acabar com essa história de que os alemães são pessoas sérias e trabalhadoras e
nós somos malandros e seguidores da lei de Gerson.... O que é isso, minha
gente? Não que não seja verdade a parte que compete a eles, mas não é possível
que nos enxerguemos dessa forma, indistintamente. Colocamos um chapéu em nossas
cabeças e assumimos esse personagem do malandro sem escrúpulos indistintamente?
Não, por favor! Temos muita gente fazendo mal a nosso país, sim, mas temos
muita gente competente, ralando, trabalhando e dando resultados sérios e
importantes para nossa sociedade. Temos pessoas corruptas, mas temos muita
gente do bem.... Enquanto nós, brasileiros, nos julgarmos assim, continuaremos
morando no quintal do mundo. Não se trata de colorir a realidade, mas de dar a
ela, a dimensão que ela tem. Por favor, nós, os brasileiros, não somos o que
andam dizendo por aí.... Se na nossa cesta existem laranjas podres, nela também
existem laranjas suculentas e capazes de alimentar a muitos.
Renata Villela