Fui “chamada” (porque foi um
chamado de Deus) para falar sobre esse tema... Por uns dias fiquei pensando,
rezando e refletindo sobre a palavra “compadecer-se” e até pensei em focar
minha meditação na etimologia e significado dessa palavra tão forte. Compadecer
é ter compaixão. Com + paixão = com o
amor que dá a vida - como a paixão de Cristo, que abraçou a cruz por nós. Esse chamado foi para fazer uma meditação fazia parte da novena de Nossa Senhora da Luz. Cada dia da novena
teve como tema “Maria, ensina Teu povo a....”. O segundo dia era justamente o
que pedia a graça de “compadecer-se”.
Maior do que a responsabilidade
que me havia sido confiada, o que eu sentia era uma tranquilidade que eu nem
sabia explicar. A sensação é de que iria falar sobre alguém tão íntimo, que não
precisava estudar nem me programar... Só sentir, só rezar...E foi assim que,somente
mais ou menos três dias antes do dia que
iria falar sobre esse tema, parei para
ler a passagem bíblica do dia (Lc 1, 39-45): a visitação de Maria à sua prima
Isabel. Incrível que não sei quantas vezes já li essa passagem (que, por sinal,
é uma das que mais gosto da vida de Maria). Dessa vez, contudo, foi diferente:
mergulhada na oração, a partir da leitura, fui escutando o que precisaria falar
para as pessoas. As ideias surgiram tão claras que – pela primeira vez na minha
vida – não escrevi antes de falar. Meu coração registrou tudo dentro de uma
lógica tão perfeita que, qualquer coisa que eu viesse a escrever, correria o
risco de perder o fio da meada. Foi assim que deixei o coração falar, sem
programar nada.
Agora, dias depois, atendendo
ao pedido de amigos, vou tentar escrever o que disse no dia:
Maria
visita sua prima Isabel.
1.
Fico pensando nas grávidas de hoje que só
comunicam a gravidez a partir do 3º mês, devido ao risco de a gravidez não se
consolidar. Imagina se Maria, em algum momento, tivesse se preocupado com esse
risco? Jamais encararia a caminhada árdua até a casa de Isabel. Aliás, antes de
falar da visita propriamente dita, é impossível não falar do momento que Maria
estava vivendo. Há pouco tempo tinha recebido a visita do anjo Gabriel,
anunciando-lhe que seria a Mãe do Messias tão esperado. Uma menina... Quanta
coisa deve ter se passado na cabeça dessa menina, surpreendida pela visita do
anjo, com a notícia que transformaria toda sua vida! Como se isso fosse pouco,
tinha sua relação com José, o casamento, a mudança de planos, o pacto de confiança... E
o risco social, o apedrejamento, o preconceito, o risco da marginalização...
Problemas sérios, situação grave, sobretudo considerando que era uma menina...
Acontece que era uma menina plena de Deus, “gestada” de um Deus que lhe
preenchia por inteiro.
Quando estamos assim, mergulhados no amor de Deus,
colocamos nossos problemas no devido lugar. Não
esquecemos deles, não esquecemos de nossas dores nem de nosso sofrimento, mas
conseguimos colocá-los num cantinho (sob a guarda do Amor de Deus) e, assim, somos capazes de olhar para o outro, sentir o sofrimento do outro, viver a
experiência da dor do outro e ir ao seu encontro. Foi isso que Maria fez: guardou
em seu coração o que era seu e foi ao encontro de Isabel.
2.
Maria sobe as montanhas de Judá.
Quando falamos em montanhas, podemos pensar nelas sob duas perspectivas. A
primeira, lembrando que subir a montanha – na bíblia – é viver a experiência do
Sagrado. Foi no alto da montanha que Moisés recebeu as tábuas da Lei, foi no
alto da montanha que Pedro, Tiago e João viram Jesus transfigurado... Foi
preciso subrir as montanhas para que Maria encontrasse Isabel, ou seja, no
encontro com o outro,vivemos a experiência do Sagrado.
A outra perspectiva de “montanhas” é
aquela que nós, seres humanos, sentimos diante delas: a expectativa de grande
dificuldade, dos obstáculos a transpor. E aí, fico pensando em quantas
montanhas nós temos colocado entre nós e os outros. Quantos obstáculos criamos ou
supervalorizamos para não ir aonde o povo está, para não fazer o que Jesus
espera de nós, para nos mantermos acomodados em nossos mundinhos.
3.
Maria vai à casa de Isabel, não traz
Isabel para sua casa. Assim, ela vai viver a experiência de Isabel, no mundo de Isabel. Não
pressupõe nada, vai lá. Vê com seus próprios olhos o que Isabel está precisando
e a atende em suas necessidades. Não faz o que acha certo, não dá o que imagina
que ela esteja precisando. Vai ao mundo de Isabel, sente suas dores,
compartilha as dificuldades de Isabel e a serve no que ela necessita. Esse é o
grande aprendizado que Maria nos dá: para servir é preciso ir à casa do outro e
viver com ele, a sua experiência. Compadecer-se e depois doar o que o outro
precisa. Quantas vezes nós fazemos exatamente o inverso? Queremos trazer o
outro para nossas verdades, fazer o que julgamos correto. Enchemos-nos de
julgamentos e ideias pré-concebidas e achamos que estamos “amando como Jesus
amou” . Fazendo o bem. Aliás, a própria expressão “vamos fazer o bem” já
pressupõe uma certa superioridade de nossa parte. Como se o bem estivesse em
nossas mãos... Raramente “viajamos” ao universo do outro para compreendê-lo em
sua essência. Partimos do pressuposto de que quem está na rua precisa de trabalho,
não de comida; que os presos “merecem” tudo o que passam nas prisões
superlotadas; que os idosos precisam entrar em nossa realidade, em nosso ritmo;
que não devemos dar nada às crianças que pedem qualquer coisa na frente dos
supermercados. Muitas vezes, ainda, queremos que o outro faça o que nós
fizemos, porque deu certo pra gente, como se fosse uma solução pré-moldada,
ignorando que o outro é diferente de nós. É difícil pararmos diante de cada um
em suas realidades únicas, para conhecer seu histórico de vida, o contexto em que
vivem, enfim, suas vidas. As nossas verdades sempre prevalecem diante da real
necesssidade do outro. Maria podia ter pensado como nós: o que Isabel, com toda
essa idade, foi inventar de engravidar? Não sabia que não iria dar conta? Não
imaginou que fosse acabar dando trabalho aos outros? Não, nada disso. Maria foi
ao mundo de Isabel, experimentou tudo o que Isabel estava sentindo,
compadeceu-se = sentiu as suas dores e fez o que Isabel precisava que fosse
feito!
Maria,
Mãe Querida, ensina-nos a nos compadecer de todos os que sofrem à nossa volta.
Os doentes, os presos, os idosos, as crianças... Ensina-nos a compadecer dos
que estão nas ruas, nas periferias e também dos que estão no apartamento do
lado do nosso ou em nossas próprias casas.
Ajuda-nos
a vencer montanhas e sair de nossas casas, de nossos mundos, a olhar além de
nossos próprios umbigos, confiando nossos problemas ao Deus que cuida de tudo e
tendo olhos para olhar os outros. Inspira-nos a escutar a voz de Deus e a nos
preencher por Seu amor, para doá-lo a quem necessita. Sem julgamentos, sem
verdades pré-concebidas... Só com amor. Muito amor. Lembrando que amor é compartamento,
é atitude, não é sentimento. O amor que Jesus nos ensina vai além do gostar.
Quando o ponto de partida é ELE, somos capazes de amar, mesmo quando não
gostamos....
Temos
tanto a aprender, Maria! Ensina Teu povo a compadecer-se!
Tentei repetir aqui, como foi
no dia que fiz essa meditação, as palavras que brotaram em meu coração. Com
certeza, não está exatamente igual, mas acho que consegui colocar aqui a base
do que falei. Foi o fruto de um momento de profunda oração, de encontro com
essa Mãe que tanto amo.
Que Ela os inspire como tem me
inspirado. E que, seguindo seu exemplo, saiamos de nossas casas, encaremos as
montanhas e abracemos o Sagrado que vive em cada coração que chora, que sofre e
espera.
Renata Villela -
Janeiro/2017
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