Ao
longo da vida, a relação que temos com a morte vai mudando. A partir de um
determinado momento, a notícia de que ela abraçou alguém vai se tornando bem
mais frequente do que gostaríamos. Já não são os avós de nossos amigos que
falecem, mas seus pais e os próprios amigos.
A
forma como cada um lida com a morte é diferente, (afinal, somos diferentes!) varia de acordo com o contexto, a espiritualidade, a forma como encaramos esse
tempo que passamos no planeta. Algumas
coisas, entretanto, sempre aparecem: a pergunta “e se?” é uma delas. Isso porque, seja em que circunstância for, a
morte sempre nos pega de surpresa.
Apesar dessa introdução, não é sobre a morte
que eu quero falar, mas sobre a vida! Trouxe a questão da morte porque, na
idade madura, essa é uma experiência que nos chacoalha em relação à nossa
própria vida e à vida dos que amamos. Dentre as tantas oportunidades de
enxergarmos as possibilidades de viver a vida de forma mais verdadeira, a
percepção da morte é uma das mais marcantes. A cada velório, a cada cremação ou
sepultamento, ficamos de frente com a
nossa vulnerabilidade e efemeridade. Daí, duas perguntas passam a nos
inquietar:
1. O que temos feito de nossa
vida?
2. O que temos feito de nossas
relações?
Pensando
na primeira pergunta, viajo na questão do tempo. Como aproveitamos mal o tempo
que temos! Quanto tempo perdemos em reclamações, lamentações, deixando passar
batidos, momentos que não se repetirão, encontros que não voltarão. Quantas vezes, em vez de “sacudir a poeira e
dar a volta por cima”, ficamos amargando a rinite que a poeira nos traz!
Quantas vezes, em vez de fazer das situações, aprendizado, ficamos remoendo
mágoas e insatisfações... Quantas vezes, em vez de escrever de lápis, as
tristezas e aborrecimentos, para que possamos apagá-los tão logo virem passado,
riscamos e rabiscamos os incômodos de caneta e passamos a vida sem conseguir
apagá-los, muitas vezes, culpando-nos pela forma como os escrevemos...
Complicamos
muito o que poderia ser simples ! Colocamos foco no que não é importante e só
percebemos o que era importante de verdade, depois que passa. Aí ficamos repetindo os “e se?” sem encontrar
respostas. O bom é que a vida não
desiste de nós e está sempre nos dando a oportunidade de recomeçar o novo
capítulo de um jeito diferente. Fico pensando
que isso pode ser mais simples do que imaginamos, já que não precisamos deixar
de ser quem somos. Ao contrário do que muitas vezes achamos, não precisamos
mudar nosso jeito de ser nem de amar, talvez
precisemos só calibrar nossos pneus e andar na velocidade certa. Precisemos
só limpar as lentes embaçadas para enxergar melhor quem caminha perto da gente.
Precisemos nos aceitar, acolher nossas dificuldades e espinhos, sem renegá-los,
mas compreendendo-os e trabalhando neles, sempre que possível...
Ainda
sobre quem somos, penso que precisamos amar
quem somos. Deixar de lado o que a publicidade coloca como perfeição e o que as
pessoas esperam de nós. Amar-nos como somos. Colocar nossos dons a serviço de quem
precisa, sim, mas doar, também, um pouco do nosso tempo, para cuidar de nós
mesmos. Nós também precisamos de nosso cuidado e de nosso carinho.... Às vezes,
esquecemos disso! E vale lembrar que isso não é egoísmo, é amor também. Se Deus
nos deu avida como bem mais precisoso, cuidar dela é ato de amor! Se a gente
não se cuida, não se ama, cresce a amargura, o cansaço e aí, sim, o que poderia
ser amor acaba se tornando egoísmo, pois passamos a colocar foco no nosso
umbigo, nos nossos problemas, nas nossas dores, nos nossos medos, nas nossas
dificuldades. Assim, deixamos de enxergar o outro!
Passando
para a segunda pergunta, fico pensando que, se tivéssemos uma bola de cristal
nas mãos a nos mostrar o último dia daqueles que amamos, agiríamos diferente. O
“e se?” que surge nesse caso vem sempre cheio de culpas e cobranças e, muitas
vezes, esquecemos que é no ordinário da vida que o amor se expressa da forma
mais verdadeira. Ficamos achando que poderíamos ter sido mais presentes, ter
dado mais carinho, enfim... Cobramos de nós, uma série de comportamentos e, na
maioria das vezes, com lente de aumento. Que sempre podemos ser pessoas
melhores, isso é fato, mas é fato também que o amor mais verdadeiro é,
justamente, aquele que se expressa nas coisas mais simples. Enxergar o outro com
os olhos do coração é tudo o que precisamos para cuidar melhor de nossas
relações. Essa é a perspectiva do amor: o olhar, o cuidar, o ser...Na verdade
do que somos e do que o outro é, nem mais, nem menos.
Na
medida em que enxergamos as pessoas com quem convivemos como pessoas que não
são extensões de nós mesmos, passamos a respeitá-las em sua individualidade e a
ter relações verdadeiras. Relação entre dois sujeitos, duas pessoas. Quando conseguimos nos relacionar assim,
podemos ser nós mesmos, agir com espontaneidade, sem tentar ser o que o outro espera
de nós. Encontro de afetos e de limites também! Penso que é importante deixarmos de lado a expectativa de perfeição e
colocar nossas fichas nas coisas que nos fazem viver a essência da vida!
Aquelas coisas mais simples, um olhar, um sorriso, um copo de água, uma
comidinha gostosa, um toque de carinho ou o compartilhar uma mensagem que
achamos bonita... É dessas pequenas coisas que o amor vai se construindo.
Às
vezes paro e vou passando um radar nas coisas do nosso cotidiano. Vejo o quanto
nos perdemos em bobagens... Um se zanga porque o outro esqueceu o dia do aniversário,
outro sai do grupo do wahtsapp por causa de discussão de futebol... É um que
deixou com que uma atitude inesperada falasse mais alto do que toda uma
história e outro que se magoou ao receber uma resposta que não gostou... Como
somos bobos !!! Como nos perdemos facilmente do que é essencial. E as coisas do
mundo parecem incentivar isso...Vamos ficando cada dia mais intolerantes e
impacientes uns com os outros.
Aí,
de repente, um infarto, um câncer, um acidente.... E.... Fica o quê?
Nesses
dias, recebi pelo facebook uma pergunta que compartilhei e que ficou na minha
cabeça e no meu coração por dias: “você é a saudade de quem?” Convido vocês a
se perguntarem isso e a perguntarem também sobre quem é e quem poderá ser sua
saudade. Isso faz diferença!
Com
essas respostas, faço o convite para que busquemos reiniciar nossa trajetória com um novo olhar,
na perspectiva de quem não quer passar por aqui em vão e de quem quer viver o
presente como presente de Deus. O momento presente precisa ser, para nós, bem
mais do que uma ponte entre o passado e o futuro, mas o instante em que
experimentamos a vida com tudo o que ela tem a nos dar, curtindo a companhia de
quem está ao nosso lado ( e a nossa própria companhia também!)
Tentemos
descomplicar nossas relações, diminuir nossas culpas e nossas cobranças,
pararmos por mais tempo para aproveitar o encantamento diante de uma flor, um
passarinho, uma criança sorrindo, um casal se beijando...Coisas que acontecem
todos os dias, todas as horas, mas que passam despercebidas por causa da nossa
pressa e do foco que colocamos no que ainda virá.
Somos
vulneráveis, efêmeros, finitos. Ao contrário do que pensamos, nosso “destino”
não está em nossas mãos. Nelas, está a liberdade de vivermos cada minuto do
jeito que escolhermos. A felicidade não está do outro
lado da ponte, não está na outra pessoa nem no pote de ouro, debaixo do
arco-iris. A felicidade está no momento presente, quando o vivemos como
experiência legítima do amor de Deus.
Qual o presente que vamos nos dar hoje?