Esse texto não é sobre ser vencedor ou ser perdedor, é sobre
reconhecer que, na vida, ganhamos e perdemos e precisamos acolher os dois lados
da moeda com o máximo de serenidade possível e com a consciência de que viver é
arriscar-se continuamente. Esse texto também não é sobre pessoas que se superam
e aquelas que “amarelam”(que termo horrível!), mas é sobre a importância do
autoconhecimento e o dar-se conta de quais limites são possíveis de ser superados
no momento presente e quais nos dão a chance de revermos nossas estratégias....
Lembrando sempre que nenhum de nós, nem os grandes campeões olímpicos, é
super-herói. Todos somos feitos de carne, osso e emoções. Esse texto é sobre a experiência de pessoas
que vivem e, com suas vidas, ensinam o que é – de verdade – vencer.
Desde pequena, sempre gostei das Olimpíadas e das Paraolimpíadas,
por serem eventos mundiais, inclusivos, que prezam pela integração dos povos e
pelo amor ao esporte. Com o passar dos anos, assisti-las foi se tornando bem
mais do que estar diante de eventos especialíssimos, mas de um livro aberto com
infinitos aprendizados. Muitas pessoas marcaram a história das Olimpíadas....
Lembro da Nadia Comaneci, da ginástica artística, surpreendendo o mundo por ser,
ao mesmo tempo, tão jovem e tão técnica. E o que dizer da maratonista suíça
Gabriela Andersen, que chegou cambaleando, sugando suas últimas forças para dar
conta de atingir seu objetivo. Lembro também do Vanderlei Cordeiro, maratonista
brasileiro, desviado de seu caminho por alguém que não o impediu de chegar onde
queria. Falando dessas tantas lembranças, entre as mais recentes, Daiane dos
Santos, com toda sua representatividade,
raça, fibra e brasilidade e Bernardinho, emoção que saía pelos poros e
contagiava. Tantas histórias que deixaram suas marcas para sempre, não somente
para as Olimpíadas mas também para nossas vidas! Quem teve olhos para ver, viu
e aprendeu com cada um deles. Não necessariamente nos ensinaram mais quando (e
se) receberam medalhas de ouro, mas –
sobretudo – quando trouxeram suas humanidades ao “mundo do Olimpo”.
As Olimpíadas desse ano traz, em si, a marca de muitas
dores, perdas e superações. A abertura já foi um chamado a nos repensarmos como
humanidade. Começando as provas, fico pensando que, apesar da cobrança de
muitos torcedores e comentaristas, cada um que está ali para competir no seu
esporte e defender o seu país, já começa com medalha de diamante, por ter
sobrevivido a todas as dificuldades desses últimos anos, por ter conseguido
fazer seu desejo pulsar mais forte que as frustrações. E cada um deles sabe a
que custo! Nós, brasileiros, sempre queremos muito e esquecemos de olhar o
contexto das coisas... Quantos desses atletas tiveram o patrocínio necessário,
fizeram os treinos adequados para chegar lá? E mesmo aqueles que têm ótimos
patrocínios e conseguiram se adequar à nova realidade, mantendo treinos
eficazes, quanto precisaram desafiar-se diariamente, vencendo seus inimigos
internos, os gritos de seu corpo, suas dores diversas? Olhar para cada um deles
competindo me traz a sensação de assistir vários filmes, imaginando a história
de cada um.
Ainda temos muitas competições para acontecer, mas algumas
lições já ficam. Por coincidência (ou não!) os registros mais fortes das
Olimpíadas de Tóquio até aqui, para mim, foram de mulheres. Assim, eu quero expressar
o que estou aprendendo com cada uma delas. Vou começar pela ginástica artística,
destacando, por um lado, a Rebeca e, por outro, a Simone Biles. A Rebeca,
ensinando a determinação, a autoconfiança, a superação após lesões e cirurgias
e a presença firme de sua mãe. Uma menina de vinte e poucos anos que nos deixa
boquiabertos por sua competência e entrega. Tudo isso, com uma simplicidade
linda de ver. A Simone, por sua vez, com a coragem que só os grandes têm,
abrindo mão das medalhas em prol do que é essencial e dando voz, não só a
muitos atletas, mas a tantas pessoas que sofrem caladas com problemas de saúde
mental, sem conseguir expressar sua dor, porque a sociedade julga os
transtornos mentais como fraqueza. E, para uma sociedade que exalta a
felicidade e as conquistas, a Simone mostrou que é uma pessoa especial, de uma
força que, talvez, nem ela, nesse momento, seja capaz de perceber. Sua
fragilidade tornou-se sua força.
Da ginástica artística, vamos ao futebol feminino. Dois
ícones da nossa seleção ensinando o que é saber perder, assumindo a dor, a tristeza,
a frustração, mas exercitando o companheirismo, o senso coletivo e importância
de reconhecer tudo o que foi feito de bom, aprendendo com os erros, sem crucificar
ninguém por eles. Formiga e Marta mostraram o que as faz referência no esporte,
independente de “voltar para casa” sem medalhas. Formiga, abrindo mão de uma
decisão pessoal pelo coletivo e mostrando como é bonita a relação entre as
gerações, sem superioridade, pelo contrário, colocando-se a serviço! Marta, que
liderança! Marta vem mostrar, com suas atitudes, dentro e fora de campo, porque
é tão respeitada. Que bonito ver sua alegria, fazendo-se menina entre as
meninas, transformando o peso da responsabilidade na leveza de uma experiência
que, independente dos resultados, sempre deixa aprendizados enormes. E para
coroar tudo o que ela é, duas atitudes me chamaram muito a atenção no último
jogo: a obediência à orientação da técnica, mesmo consciente do desgaste físico
que isso representava e a inteireza de sua declaração no final do jogo, pedindo
que não criticassem as jovens, que se fosse para falar mal, falasse dela. Só
grande líderes, grandes seres humanos são capazes de atitudes assim. “Pegando o
gancho” das palavras da Marta em prol da juventude, que coisa linda ver Rayssa
Leal fazendo história no skate, no esporte, no Brasil! Uma fadinha do Nordeste
brasileiro inundando nossos corações de esperança, a esperança que brota de
atitudes responsáveis e comprometidas, mesmo estando ainda auge de sua
adolescência. Um grande exemplo para nós, adultos.
E é assim, com esses exemplos, que eu termino essas
reflexões de hoje, certa de que muitas outras pessoas deixaram e ainda vão
deixar suas marcas nesse capítulo da história. Que a garra, as palavras, o
silêncio, a determinação, a resignação, a coragem de “ser quem são” de cada uma
dessas mulheres, nos inspire a ser pessoas melhores, Que acreditemos – de dentro
para fora – que podemos e devemos sonhar e batalhar para que nossos sonhos se
tornem realidade, mas que estejamos sempre atentos aos sinais que a vida nos mostra, para que saibamos a hora de
avançar e o momento certo de recuar, respirar para, depois, retomar a
caminhada. Que ousemos sempre vencer barreiras, sem nos esquecer que limites
existem, sim, e precisam ser respeitados. Que, a cada manhã, lembremo-nos que
viver é arriscar-se e que, muitas vezes, ganhar ou perder não está em nossas
mãos. Que entendamos que precisamos, sim, sempre nos esforçar para sermos o
melhor que podemos ser, acima de tudo como pessoas. E, conscientes de que não
temos controle de nada, nem de nossos próprios corpos e mentes, por mais que possamos
estar treinados para isso, recebamos a nossa humanidade com carinho, acolhamos
nossas dores, nossos limites, nossas fragilidades, certos de que, mesmo os
campeões são humanos como nós. Que não percamos a oportunidade de celebrar
alegrias, vitórias, encontros, porque momentos não se repetem. E que possamos,
todos juntos, cada um de seu lugar na história da humanidade, aprender com os
exemplos uns dos outros, para que – um dia – consigamos ser uma sociedade que
se supera, que surpreende, que bate recordes positivos e que faz da vida saudável
no planeta, sua medalha mais importante.
Obs: Fotos tiradas da internet