sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Mensagem de Natal


Vivemos um ano difícil... Além de termos que juntar os cacos da pandemia, experimentamos medos, discórdias, inseguranças, dores diversas... Entretanto, quando chega o final do ano, a esperança vai dando um jeito de encontrar seu lugar em nossos corações, trabalhando duro para limpar a poeira do que passou e abrindo as janelas, jogando luz para o que deve ficar como aprendizado para todos nós, como pessoas, como povo, como habitantes do Planeta Terra. 

Não vejo o Natal como o tempo mágico em que as pessoas se transformam e passam a fazer o bem... Vejo o Natal como oportunidade de revisarmos as nossas vidas e pensarmos em qual o verdadeiro sentido dessa celebração e o que precisamos fazer a partir dela.

Paro para contemplar a família de Nazaré chegando a Belém... Muito chão andado... Nazaré era uma daquelas cidadezinhas do interior, bem pobre, nem sei se estava representada no mapa... Penso nos povoados do sertão nordestino ou nos povos ribeirinhos da Amazônia... Aquele casal saindo de casa para cumprir um dever, encarando todas as dificuldades... Imagino o cansaço, a sede, a fome, a vontade de tomar um banho... Em Belém, contudo, de diferentes vozes, ouviram o mesmo “não”. Recolheram-se, então, num estábulo, no meio dos animais. A gente teima em romantizar essa cena: “Jesus nasceu numa manjedoura, em meio aos animais!” Não, a cena não tinha nada de romântica, era o retrato da sociedade: uma família de imigrantes, sem encontrar um lugar para descansar, vai para o meio das palhas, com cheiro de esterco, sem nenhuma higiene.... Maria e José não puderam tomar banho, não puderam descansar, não puderam se alimentar devidamente... Foi assim que Jesus nasceu. 

Não dá para desassociar essa cena das tantas cenas que vemos, hoje, em nossas cidades... Centenas de famílias nas calçadas, sob os viadutos, nas praças... De nada adianta enfeitar a casa com presépios, árvores, guirlandas, se continuarmos míopes diante da realidade “do mundo lá fora”. De nada adianta fazer ceias deliciosas se as “famílias sagradas” estão nas calçadas, sem ter o que comer. 

Nesse Natal, só tenho vontade de pedir perdão pela sociedade que “construímos”, pela forma como temos estruturado as relações sociais, com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres e uma classe média “espremida” entre os dois lados, sem saber direito quem é e como viver... É com essa consciência, que eu peço ao Menino Jesus que tenha piedade de nós, que não desista de nós e que nos inspire a ser pessoas melhores.

Menino Jesus,

que, no meio dessa sociedade barulhenta, consigamos silenciar, sempre que for necessário, e cantar, tocar, levar música aos corações sedentos de harmonia.

Que, em meio à discórdia, onde tantos semeiam violência, sejamos instrumentos de paz e amor, aquele amor que acolhe e cuida (o que é, ainda, um grande desafio para nós).

Que, quando todos estiverem se deixando levar pela turba, para qualquer lugar onde os poderosos os manipulem a ir, tenhamos o discernimento de escutar a Sua voz e entender os Seus sinais.

Que – de dentro para fora – olhemos para o povo em situação de rua, os que vivem em comunidades, os desempregados e todos os que estão na linha da pobreza, buscando entender o que os levou até ali, sem julgar, atuando, da forma que nos for possível, para mudar essa realidade.

Que, em meio a tantos discursos xenofóbicos, misóginos, homofóbicos, preconceituosos, lembremos de quem foram os Seus escolhidos e nos desarmemos das palavras e atitudes que discriminam os diferentes de nós, com a predisposição de amar. Amar os próximos é muito fácil.... Que sejamos o eco de Sua voz em nossas atitudes diárias!

Menino Jesus, aqui estamos! Queremos ser pessoas melhores... Ajuda-nos! Queremos fazer acontecer uma sociedade mais justa. Cura nossa cegueira e nossa incapacidade de caminhar para onde precisamos ir. Estamos dispostos a faxinar nossos corações para deixá-Lo nascer em nós. Acreditamos que, somente deixando-O nascer em nós, seremos capazes de sair de nossos casulos e nos metamorfosear, ganhar asas para além de nossos mundinhos e entender que, como diz Beto Guedes, “um mais um é sempre mais que dois”. Faz com que encontremos o caminho para sermos um+um+um+um, na sagrada experiência de percebermo-nos “nós”.


Esse é o meu desejo para todas as pessoas, para todas as famílias: que esse Natal seja um tempo de oração, de comunhão, de transformação, de acolher a Novidade do Amor e – verdadeiramente - amar, em gestos concretos e atitudes diárias!

Renata Villela - Dezembro 2022


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Bem-aventurados



É importante derrubar os muros
para libertar,
construir o futuro
conjugando o verbo amar.
É importante semear sorrisos
para enternecer
corações em perigo
deixando a paz florescer.

Ser bem-aventurado,
filhos tão amados,
vivendo a santidade
em todo e qualquer lugar.
Livres na simplicidade,
únicos na diversidade,
fagulhas que se integram 
pra iluminar.

Santidade é exercício
do dia-a-dia,
experiência da alegria
que não vai embora 
com as tempestades.
Santidade é viver
as bem-aventuranças,
sempre regando a esperança
na confiança do Amor Maior.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Saudade

 



Saudade...
Saudade é uma dor
que aperta o peito,
mas não é nó,
é laço,
falta do abraço
de quem partiu.
É sentir-se só
depois de encontros...

Saudade é percepção
de que, mesmo sendo inteiros,
somos faltantes
e que uma parte importante
de nós
é composta pelo outro
que nos constitui
e constrói.

Saudade
é o que não se explica
nem se traduz;
é amor que fica
depois que se vai embora;
é experiência de luz
mesmo quando o tempo
escurece;
é lembrança
que nunca se esquece.

Saudade é amor
que teima em existir
na ausência
e transcende distâncias
e silêncios.

sábado, 17 de setembro de 2022

Passarinho

 





Livre, passarinho,
voa, sai do ninho,
enche de coragem o peito,
descobre o jeito mais bonito
de alcançar o infinito.

Voa, passarinho,
livre, abre as asas a plainar,
deixa seu corpo dançar,
sem medo das ventanias.

Faz valer a cantoria,
a liberdade,
a possibilidade
de criar o traçado
do voo que quer voar.

Voa, passarinho, canta
e pousa se preciso for.
Encontra um canto,
descansa na sombra,
pertinho de uma flor.

Livre, passarinho,
fica onde quiser ficar,
no ninho, no ar, em qualquer lugar,
Deixa pulsar seu desejo,
na cantoria de quem dança
e voando parece brincar!

Renata Villela em setembro/2022

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Sobrevivente ferida

 

                           

Hoje, dia 7 de setembro, o Brasil celebra 200 anos de sua independência... Algumas memórias saltam de minha mente como memórias de um dia bonito... Hoje, não consegui sentir outra coisa que não tristeza. Queria sentir esperança, coragem, vontade de lutar por um Brasil melhor... Normalmente, sinto isso em meu coração, não me considero uma pessoa derrotista, mas, hoje, especialmente, o que senti foi tristeza.

 Saí para caminhar e, no caminho de ida, fiquei positivamente surpresa ao ver pessoas de diferentes partidos panfletando na praça, chamando um e outro aqui e ali para falar de seus candidatos. Pensei comigo mesma: isso é democracia! A convivência entre partidos diferentes, cada um respeitando o espaço do outro, um exemplo de civilidade. Segui minha caminhada e parei num lugar onde gosto de tomar um cafezinho com pão de queijo, na calçada, observando o movimento. De repente, a harmonia se quebrou quando um “bando de canarinhos” voltava da praia. Muito bem vestidos, “honrando” a camisa verde e amarela, alguns conversando entre si, outros cortando caminho para não “cruzarem” com opositores e outros entoando gritos de guerra, maldizendo o candidato da oposição. Naquele momento foi que senti meu coração se encher de tristeza.

 Eu queria ter sentido indignação por causa do comportamento deles, até indiferença, mas senti tristeza. Terminei meu café e vim andando de volta pra casa, eu e meus pensamentos. Não consegui afastar a dor da lembrança dos 600.000 mortos na pandemia, entre os quais está meu pai, tio Gerson, D. Nelma, Paulo e tantos outros que não conheci, mas sei que suas famílias comungam a mesma dor que eu. É uma dor que poderia ser só de luto, mas ela traz colada em si, as falas insensíveis e desumanas do atual presidente, pelo qual essas pessoas gritam apaixonadamente, com o coração transbordando de ódio por quem tem outra forma de pensar e governar. Cada camisa amarela, segurando a bandeira do Brasil, me trazia junto a tristeza pela forma com que a nossa bandeira foi tragada por uma ideologia que antagoniza tudo o que o Barsil sempre significou: um país pacífico, alegre, com o meio ambiente rico, enfim...

 Sou a favor da democracia, por isso, respeito as diferentes escolhas, porque entendo que isso seja a essência do estado democrático. O que, infelizmente, não consigo entender é a escolha por uma “pessoa” que dissemina o ódio, a divisão, a violência... Por coerência com a forma com que vejo a vida, com a religião que escolhi, com os valores que pautam minha caminhada, eu JAMAIS votaria nem votarei numa pessoa que fala e prega exatamente o oposto de tudo o que acredito. Eu acredito no bem, no respeito às diferenças, na diversidade humana, na igualdade de direitos de homens, mulheres, homoafetivos, trans e todas as suas denominações. Eu acredito que a ciência, a educação e a cultura são o que tornam um povo capaz de pensar, realizar e ter uma vida digna. Eu acredito que o Planeta Terra é nossa casa e precisa ser cuidado, não destruído. Eu acredito que a população mais pobre de nosso país tem direito a mais do que o mínimo necessário à sobrevivência, tem direito à dignidade. Eu sou contra as armas, sou contra a misogenia, a xenofobia, a violência em todas as suas formas. Sou contra o mau uso do dinheiro público também (motivo pelo qual ele ataca os opositores, ganhando aliados por isso), sobretudo quando esse mau uso é recheado de mentiras e manobras que desviam a atenção das enxurradas de dinheiro que seguem escorrendo para bolsos conhecidos. Nesse caso, entra minha indignação quanto à cegueira coletiva, que teima em não ver o que está acontecendo...

 Não escrevo para convencer ninguém, não escrevo para fazer “campanha” para o candidato que terá meu voto. Até poderia, mas não tenho vontade de fazê-lo... Escrevo só para desabafar a dor que tomou conta de meu coração, viajando em pensamento pelo retrocesso que vivemos ao longo dos últimos anos, pelas tantas mortes e lutos sufocados pelo sarcasmo de quem poderia ter agido diferente. Sinto tristeza por ser artista e ver o mal que tentou sufocar as diversas expressões de arte em nosso país, por ser psicóloga e presenciar o adoecimento coletivo de tantos brasileiros. Nesses dias conversando com minha prima, comentávamos que somos “sobreviventes feridas”. É assim que me sinto.

 Sim, feridas cicatrizam, deixam marcas, mas cicatrizam. Dores passam e, mais do que passam, fortalecem-nos, a partir da nova consciência que criamos acerca de nós mesmos e da vida.  O dia 7 de setembro está anoitecendo... Minha tristeza dormirá e eu acordarei mais forte, mais consciente, fazendo dessa tristeza, inquietação. O dia 7 de setembro está anoitecendo... Permitiremos que nosso país amanheça?

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Os dois lados

 


 

  


De um lado, afagos, afetos,

família, amizade.

Do outro, reencontros, descobertas,

surpresas e liberdade.

 

De um lado, a independência,

a busca da essência,

a carência, a solidão abraçada,

a consciência do eu.

Do outro, a liga da convivência,

o apego, a dependência,

os laços criados, os abraços

e os passos dados com medo,

na cidade ao léu.

 

Realidades paralelas

que se encontram em mim,

desfazendo lógicas,

escrevendo crônicas e poesias.

 

Lá vou eu,

refazendo a história,

juntando desejo e memória,

passado e futuro,

nesse presente nâo escolhido,

mas acolhido com medo e coragem.

 

Assim é o vai e vem de cada dia,

às vezes, tristeza, às vezes alegria...

O que me inspira e move

é juntar as pontas, em bordado,

sabendo que, de um lado,

há vida que pulsa

e do outro (acredite!) também.


Renata Villela (julho/2022)

 

domingo, 12 de dezembro de 2021

Mensagem de Natal 2021

 



2021 foi mais um ano marcado por sentimentos difíceis de lidar...Medo, frustração, angústia, saudade, solidão... Dores diferentes tocaram nossos corações... Nesse contexto, fiquei me perguntando sobre o que (e até como) escreveria uma mensagem de alegria e esperança com a chegada do Natal.  Algo que fosse de dentro para fora e que fosse legítimo.

Eu sempre vejo a “virada do ano” como um tempo de renovar as esperanças. É um rito necessário para enterrarmos o que passou e semearmos o que virá, guardando memórias e alimentando sonhos. Acontece que acabamos nos contaminando pelo o acúmulo das más notícias que chegam até nós. Para sair desse redemoinho, precisei abrir meus olhos e ouvidos para ficar mais atenta aos sinais de Deus e encontrar o que eu queria dizer às pessoas.

Como Deus nunca falha, num dia desses, olhando pela janela, vi uma jovem caminhando e dançando pela calçada... Uma  cena contagiante! Em vez de simplesmente caminhar, ela vinha dançando. Pareceu-me que ouvia uma música interior e seu corpo se deixava levar pela melodia. Ela dançava e transmitia uma alegria linda de ver. Em plena manhã de um dia comum de semana, a jovem dançava, livre e plena! Eu, contagiada por aquela alegria, fiquei me perguntando sobre o que teria feito essa jovem dançar e perguntei-me, também, o que me faria sair pelas ruas dançando... Entendi que só um coração consolado (transbordando amor)  é capaz de dançar!

Assim, começo a falar do Natal: uma festa que nos encanta por esse Deus que se faz criança, vulnerável, e escolhe nascer no seio de uma família pobre, migrante...Esse Deus que se faz gente para que sintamos o quanto temos de sagrado em nós. Esse Deus que, em Jesus, nos inquieta com a sucessão de paradigmas que vai quebrando ao longo de sua vida, mostrando que nada é mais importante do que o amor e as ações que brotam dele.... Sim, porque não há AMOR sem ações concretas. Independente de ser uma festa cristã, o Natal é um convite ao Amor, o amor que queremos ver chegar a todas as pessoas, de todos os lugares, etnias, crenças e não crenças. O que mais importa é  dizer SIM a esse Amor que quer nascer em nós!

Depois de ver aquela jovem dançando, senti vontade de transformar essa mensagem nesse convite que transborda todos os meus desejos:

- que sejamos mais tolerantes uns com os outros, respeitando nossas diferenças e crescendo com elas;
- que a dor “do outro” nos inquiete e nos movimente a sair da acomodação e a olhar além de
nossos próprios umbigos;
- que compreendamos a essência de tudo o que Jesus nos disse e desapeguemos de algumas regras, que mais nos afastam do que nos unem a Deus e às pessoas;
- que vivamos a essência de todas as religiões, que é o amor, respeitando (mesmo quando não concordamos) o que nos diferencia; criando pontes e não muros;
- que tenhamos consciência de que não somos melhores nem piores do que ninguém e que, assim sendo, tenhamos a humildade para pedir perdão toda vez que pisarmos na bola e, por outro lado, a ternura necessária para perdoar quem nos magoa;
- que aprendamos com nossos erros e que alimentemos a coragem de sermos pessoas melhores;
- que nos entendamos como parte (e não donos) do planeta e que cuidemos melhor de Nossa Casa;
- que sejamos engajados com as causas da humanidade e que tenhamos a sensibilidade necessária para ver as feridas escondidas em tantos corações, a disponibilidade para caminhar ao encontro dos que precisam de nós e a compaixão que nos irmana.

E que, ainda que incomodados, inconformados, entristecidos com todas as mazelas da vida, tenhamos sempre motivos para dançar na rua, nas igrejas, nos parques ou no cantinho mais íntimo de nossas casas, por causa da esperança que nos constitui e que deve nos movimentar para o bem comum. Que consigamos mergulhar fundo em nossa alma e, diante da Criancinha que escolheu nascer em nossos corações, possamos dar graças por tanto Amor. E que a certeza desse Amor que não nos desampara, que acolhe a cada um de nós do jeitinho que somos e que prometeu jamais nos abandonar embale nossos passos, para além de nossas lágrimas, na linda dança que nos faz mais leves e que contagia outras pessoas a também dançar.

 

Renata Villela  - Dezembro/2021