quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Saudade

 



Saudade...
Saudade é uma dor
que aperta o peito,
mas não é nó,
é laço,
falta do abraço
de quem partiu.
É sentir-se só
depois de encontros...

Saudade é percepção
de que, mesmo sendo inteiros,
somos faltantes
e que uma parte importante
de nós
é composta pelo outro
que nos constitui
e constrói.

Saudade
é o que não se explica
nem se traduz;
é amor que fica
depois que se vai embora;
é experiência de luz
mesmo quando o tempo
escurece;
é lembrança
que nunca se esquece.

Saudade é amor
que teima em existir
na ausência
e transcende distâncias
e silêncios.

sábado, 17 de setembro de 2022

Passarinho

 





Livre, passarinho,
voa, sai do ninho,
enche de coragem o peito,
descobre o jeito mais bonito
de alcançar o infinito.

Voa, passarinho,
livre, abre as asas a plainar,
deixa seu corpo dançar,
sem medo das ventanias.

Faz valer a cantoria,
a liberdade,
a possibilidade
de criar o traçado
do voo que quer voar.

Voa, passarinho, canta
e pousa se preciso for.
Encontra um canto,
descansa na sombra,
pertinho de uma flor.

Livre, passarinho,
fica onde quiser ficar,
no ninho, no ar, em qualquer lugar,
Deixa pulsar seu desejo,
na cantoria de quem dança
e voando parece brincar!

Renata Villela em setembro/2022

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Sobrevivente ferida

 

                           

Hoje, dia 7 de setembro, o Brasil celebra 200 anos de sua independência... Algumas memórias saltam de minha mente como memórias de um dia bonito... Hoje, não consegui sentir outra coisa que não tristeza. Queria sentir esperança, coragem, vontade de lutar por um Brasil melhor... Normalmente, sinto isso em meu coração, não me considero uma pessoa derrotista, mas, hoje, especialmente, o que senti foi tristeza.

 Saí para caminhar e, no caminho de ida, fiquei positivamente surpresa ao ver pessoas de diferentes partidos panfletando na praça, chamando um e outro aqui e ali para falar de seus candidatos. Pensei comigo mesma: isso é democracia! A convivência entre partidos diferentes, cada um respeitando o espaço do outro, um exemplo de civilidade. Segui minha caminhada e parei num lugar onde gosto de tomar um cafezinho com pão de queijo, na calçada, observando o movimento. De repente, a harmonia se quebrou quando um “bando de canarinhos” voltava da praia. Muito bem vestidos, “honrando” a camisa verde e amarela, alguns conversando entre si, outros cortando caminho para não “cruzarem” com opositores e outros entoando gritos de guerra, maldizendo o candidato da oposição. Naquele momento foi que senti meu coração se encher de tristeza.

 Eu queria ter sentido indignação por causa do comportamento deles, até indiferença, mas senti tristeza. Terminei meu café e vim andando de volta pra casa, eu e meus pensamentos. Não consegui afastar a dor da lembrança dos 600.000 mortos na pandemia, entre os quais está meu pai, tio Gerson, D. Nelma, Paulo e tantos outros que não conheci, mas sei que suas famílias comungam a mesma dor que eu. É uma dor que poderia ser só de luto, mas ela traz colada em si, as falas insensíveis e desumanas do atual presidente, pelo qual essas pessoas gritam apaixonadamente, com o coração transbordando de ódio por quem tem outra forma de pensar e governar. Cada camisa amarela, segurando a bandeira do Brasil, me trazia junto a tristeza pela forma com que a nossa bandeira foi tragada por uma ideologia que antagoniza tudo o que o Barsil sempre significou: um país pacífico, alegre, com o meio ambiente rico, enfim...

 Sou a favor da democracia, por isso, respeito as diferentes escolhas, porque entendo que isso seja a essência do estado democrático. O que, infelizmente, não consigo entender é a escolha por uma “pessoa” que dissemina o ódio, a divisão, a violência... Por coerência com a forma com que vejo a vida, com a religião que escolhi, com os valores que pautam minha caminhada, eu JAMAIS votaria nem votarei numa pessoa que fala e prega exatamente o oposto de tudo o que acredito. Eu acredito no bem, no respeito às diferenças, na diversidade humana, na igualdade de direitos de homens, mulheres, homoafetivos, trans e todas as suas denominações. Eu acredito que a ciência, a educação e a cultura são o que tornam um povo capaz de pensar, realizar e ter uma vida digna. Eu acredito que o Planeta Terra é nossa casa e precisa ser cuidado, não destruído. Eu acredito que a população mais pobre de nosso país tem direito a mais do que o mínimo necessário à sobrevivência, tem direito à dignidade. Eu sou contra as armas, sou contra a misogenia, a xenofobia, a violência em todas as suas formas. Sou contra o mau uso do dinheiro público também (motivo pelo qual ele ataca os opositores, ganhando aliados por isso), sobretudo quando esse mau uso é recheado de mentiras e manobras que desviam a atenção das enxurradas de dinheiro que seguem escorrendo para bolsos conhecidos. Nesse caso, entra minha indignação quanto à cegueira coletiva, que teima em não ver o que está acontecendo...

 Não escrevo para convencer ninguém, não escrevo para fazer “campanha” para o candidato que terá meu voto. Até poderia, mas não tenho vontade de fazê-lo... Escrevo só para desabafar a dor que tomou conta de meu coração, viajando em pensamento pelo retrocesso que vivemos ao longo dos últimos anos, pelas tantas mortes e lutos sufocados pelo sarcasmo de quem poderia ter agido diferente. Sinto tristeza por ser artista e ver o mal que tentou sufocar as diversas expressões de arte em nosso país, por ser psicóloga e presenciar o adoecimento coletivo de tantos brasileiros. Nesses dias conversando com minha prima, comentávamos que somos “sobreviventes feridas”. É assim que me sinto.

 Sim, feridas cicatrizam, deixam marcas, mas cicatrizam. Dores passam e, mais do que passam, fortalecem-nos, a partir da nova consciência que criamos acerca de nós mesmos e da vida.  O dia 7 de setembro está anoitecendo... Minha tristeza dormirá e eu acordarei mais forte, mais consciente, fazendo dessa tristeza, inquietação. O dia 7 de setembro está anoitecendo... Permitiremos que nosso país amanheça?