quinta-feira, 28 de março de 2013

Via Sacra




Gólgota, flagelo, calvário,
Feridas, espinhos, traição,
Decepção, abandono, chicote,
Zombaria, agonia, solidão.
Palavras tão fortes que tocam lá dentro,
Lembrar do tormento que foi redenção
E a gente caminha, nem lembra, nem pensa:
Não tem recompensa pra cada ofensa
Sofrida, doída, vivida por livre opção.

Amor que encara de frente e se entrega.
Doação que se faz abandonar,
sem questionar, aceita,
sem duvidar, caminha.
Silencia na agonia, silencia na solidão....
e do silêncio guardado, ecoa o grito esperado,
certeza de libertação.

Molhado de lágrimas, de sangue e suor,
marcado pelos espinhos da coroação,
na dor de ser ultrajado, de ser açoitado,
largado ao chão.
Ele persiste ! Ele resiste !
Maior é seu amor !
Caiu, levantou,
tantas vezes caiu, levantou...

Caminhou para a cruz no limite das forças,
no impulso da raça,
 na coragem do abraço à cruz.
Medo e superação, entrega e condenação...
Perdão, perdão, perdão !
Perdão que se derrama na graça do amor
de um Deus que, por amor, venceu a cruz
e por amor, se fez a luz.

Deus que, no amor, se faz a cada dia,
consolo e alegria,
 esperança e sabedoria,
 certeza da ressurreição.

A história não acaba no último suspiro,
na lágrima, na lástima, na tumba...
A história continua três dias depois...                  

Lava pés


Pensando nos nossos pés (e nos pés de quem está ao nosso lado) como base de nossa sustentação, pensando em cada sujeira que eles podem absorver como presentes da estrada e em cada calo como marca de nossas histórias, lavar os pés passa a ter um sentido ainda mais profundo.
Lavar os pés significa serviço.
Lavar os pés significa a capacidade de se colocar na posição de quem serve, de quem se entrega ao outro para purificá-lo, para facilitar sua caminhada.
Deixar que nos lavem os pés implica em partilha.
Deixar que nos lavem os pés implica em confiança, é o entregar-se ao outro, com as sujeiras do caminho e os calos da história.
A mesma humildade que nos faz lavar os pés, nos faz entregar nossos pés para que sejam lavados.
O mesmo amor que nos faz servir, nos faz aceitar o serviço do outro, compreendendo que todos temos nossos momentos de ajudar e de sermos ajudados, de caminhar e de sermos carregados no colo, de perdoar e de sermos perdoados.
De pés lavados, estamos renovados, purificados.
Tendo aprendido o sentido mais pleno do serviço, da partilha e da humildade, seguimos em frente ! Retomamos nossa caminhada !
De pés lavados, vivenciamos o milagre da transformação que o amor opera em nossas vidas. Encorajamo-nos a, com os pés no chão, sustentarmos nossa existência e direcionarmos nossos passos a novos rumos.
Lavar e deixar-se lavar, caminhar e deixar-se levar, amar e deixar-se amar… esse é o segredo da verdadeira comunhão, da verdadeira fraternidade, da verdadeira paz.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Grão de Trigo




No silêncio da terra molhada,
enquanto as estrelas polvilham o céu
e o véu da noite cobre os trigais
um grão se despede da casca que o prende
e aprende, lentamente,
o mistério da transformação.

Grão que se torna trigo
e perde o abrigo seguro,
para vencer o muro das limitações.
Esquece-se grão e faz-se trigo,
que dança ao vento,
a espera do tempo
de se transformar em pão.

Tão lindo é amar um Deus
que nos deixa a lição
do grão de trigo!
Por amor,
fez-se grão humano,
conheceu a noite da vida
e cada ferida
que se abre a toda quebra.

Tão lindo é amar um Deus
que nos deixa a lição
do grão de trigo!
Jesus,
Deus que abraçou a cruz,
e se fez O pão que é nosso alimento,
não disse não a nenhum sofrimento
e na fidelidade ao plano do Amor
morreu e venceu a morte,
da noite fez um amanhecer.

Tanto a aprender desse Amor que se entrega,
tanto a escutar nesse silêncio que me abraça,
tanto a crescer na dor de cada quebra
tanto a me entregar como grão que se parte
sem temer o fim.
Tanto a desejar que se calem meus medos
e que então se cumpra a Vontade do Amor
em mim.

domingo, 24 de março de 2013

Nossa Senhora das Dores




Quais são as dores de tantas Marias ?
Quem são as Marias de tantas dores ?

A dor do parto e da partida, a dor do medo e da aflição, a dor do susto e da incerteza, a dor de surpresas e de angústias, a dor da vida de cada dia, a dor dos dias de cada vida.

Maria do filho que vai para o deserto...Tantos são os desertos de nosso tempo....Maria do filho que vence as tentações...Tantas são as tentações de nosso tempo !
Maria do filho traído e negado por amigos, Maria do filho que cai e sangra a dor de cada queda, de cada espinho, de cada desafeto.
Maria do filho maltratado, indefeso e injustiçado,.... Maria do filho pregado na cruz.... Tantas são as cruzes de nosso tempo ! Com certeza, entretanto, nenhuma delas mais pesada que a de Jesus.
Maria do Calvário, Maria dos espinhos, Maria do carinho. Maria de Jesus, Maria aos pés da cruz.
Maria de Nazaré, Maria de Jerusalém.... Mãe das Marias de nosso tempo, de tantas cruzes, de tantos medos, de tantas dores...
Maria das Dores , Maria da Fé, Maria do Amor que tudo suporta, tudo transforma e tudo transcende.
Maria que ensina e aprende a aceitar, a assumir a dor, a transformar a dor em caminho de lapidação.
Maria do silêncio e da aceitação, Maria da esperança e resignação. Maria do encontro, Maria da Oração. Maria da presença, da saudade, Maria das Dores, Senhora da Piedade, Maria, mãe de nosso coração, de nossa vida e de nossa esperança.

Renata Villela


sábado, 23 de março de 2013

Somos nós o povo

Há coisas que fazemos que deixam suas marcas, assim como alguns textos que escrevemos.
Assim acontece com esse texto. Sempre quando chega o domingo de Ramos, esse texto é o que me faz melhor rezar....Exatamente por isso, recoloco-o aqui:



Nós somos o povo que fica perto quando quer milagres
e o que se afasta quando há perigos;
o povo que celebra a chegada em Jerusalém
e o que simplesmente assiste a caminhada do Calvário.
Somos nós o povo que oferece vinho
e o mesmo que serve o cálice de fel.
Nós somos o povo que agradece
e o mesmo que acusa;
o povo que se mostra
e o mesmo que se omite;
o povo que louva
e o mesmo que condena;
o povo que precisa
e o mesmo que descarta;
o povo que quer tocar, ainda que seja nas vestes,
e o mesmo que as rasga,
o mesmo que ignora a dor.
Somos nós o povo !
O mesmo povo que clama “Ele é o Rei!”
e o que, impiedosamente, grita: “Crucifica-o!”
Nós somos o povo que partilha o pão,
que se diz irmão,
e o mesmo que nega, que trai
e que pede a condenação...
Somos nós o povo que levanta os ramos
e o mesmo que escolhe a cruz;
o povo que louva
e o mesmo que condena;
o povo que precisa
e o mesmo que descarta.
Somos nós o povo !
                

  Renata Villela



Janelas do coração


Se não paro, não calo,
se não calo, não ouço,
se não ouço o silêncio
fecho janelas em mim.

Se não busco a essência,
se não mergulho a fundo,
se me distraio na beira,
fecho janelas em mim.

Se me firo e não cuido,
se me prendo ao passado,
se me afogo em mágoas,
fecho janelas em mim.

Se me escondo e me perco,
se me abandono com medo,
se me omito e me culpo,
fecho janelas em mim.

E a brisa que anseia me refrescar,
e o sol que anseia me iluminar
e a vida que anseia me alimentar
esperam, sem pressa e com mansidão
o tempo de abrir o meu coração.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Francisco, Franciscos...



Escrevi esse texto em 2005 e me lembrei dele agora....
Oportuno....


Francisco, Franciscos....

Refletir sobre o ser humano é abrir todas as nossas perspectivas de compreensão, olhando-o como ser que é filho de Deus e herdeiro do Reino. Por outro lado, é reconhecer, na complexidade desse ser, a simplicidade de uma criação que contempla o bem e o mau, o certo e o errado, a luz e a sombra, o doce e o amargo.
Impossível prender o ser humano em amarras de condicionamento unilateral, transformando-o num executor de tarefas ou num fornecedor de  respostas esperadas aos anseios seja de quem for: dos pais, dos amigos, dos políticos, da sociedade, da igreja, da comunidade....Não ! O ser humano sempre será mais do que se espera dele, sempre conseguirá escapulir ao previamente esperado ou ao antecipadamente recriminado. Isso porque ser humano é justamente viver a experiência do mergulho nas possibilidades do que se pode ser, na liberdade das escolhas, na flexibilidade das tendências, na vulnerabilidade das certezas, na temporalidade das angústias e na eternidade da verdade essencial que o constitui.
E é bonito quando descobrimos Franciscos no meio das turbulências, gente que quer construir mesmo quando, em volta, tudo parece ruína... É bonito quando vemos Franciscos que acreditam na real possibilidade de resgatar a essência das coisas mesmo numa sociedade que tanto valoriza os recheios e, muitas vezes, se perde neles sem conseguir chegar na fonte... É bonito encontrar Franciscos que ousam a liberdade de ser sem a preocupação com o ter, que escorregam e se reerguem limpando a poeira do chão e, ainda que machucados, não desistem porque têm um ideal em que acreditam e pelo qual são capazes de dar a vida...
Não, não importam os redemoinhos, as reviravoltas, as tempestades, os labirintos nem as armadilhas, Franciscos vencem !
Não importam os ventos contrários, as críticas fundamentadas nas razões do capitalismo, do neo-liberalismo e dos tantos ismos que o homem inventa para complicar a existência. Franciscos sempre vencem porque não temem o que é efêmero e têm como mola propulsora de seus movimentos, a energia que vem do amor, amor que é atitude, que é entrega, que é desapego, despojamento e doação. Franciscos não perdem porque perder é um verbo que para Franciscos têm sabor de ganhar, isso porque acreditam que toda experiência é fonte de crescimento, de aprofundamento espiritual, de renovação de forças, de re-significação da vida. Assim, Franciscos, mesmo que sofram, sempre vencem... Mesmo que vivenciem a experiência das cruzes, dos espinhos, do morrer a cada tranco, transformam a vida em espetáculo e transcendem, e acendem novas luzes. Espalham no ar o cheiro da verdade essencial da vida, que se constitui na mistura da areia com o mar, do sorriso com o chorar, da bondade com a maldade, dos erros com os acertos, do doce com o amargo porque sabem que viver é mais que lutar pela sobrevivência, porque se reconhecem pequenos, doídos, incompletos,  obscuros e, ao mesmo tempo, iluminados mas sabem que são filhos amados de Deus e trazem na bagagem de cada experiência, a essência do divino que tudo supera, transforma e edifica.
Franciscos vencem, Franciscos ensinam, Franciscos caem e levantam, Franciscos amam...E é por causa de tudo isso, que Franciscos não passam...


Renata Villela
(Maio / 2005)

segunda-feira, 11 de março de 2013

Tempo de Quaresma

Quarenta dias de espera,
quarenta dias de oração,
quarenta dias de entrega,
de abandono e confiança.
Quarenta dias de esperança,
quarenta dias de verdade,
quarenta dias de deserto,
de silêncio e sintonia.
Quarenta dias de nostalgia,
quarenta dias de saudade,
quarenta dias de vazio,
de presença e de ausência.
Quarenta dias de paciência,
quarenta dias de latência,
quarenta dias de mudança,
metamorfose, superação.

Tempo de interseção
entre a dor e a alegria,
tempo de passagem
do sofrimento à redenção.
Tempo de quaresma,
tempo de travessia,
tempo de viver a fé,
de sentir-se só.

Tempo de silenciar
e deixar Deus falar.
Tempo de criar raiz,
de chegar à foz,
tempo de esperar a cruz
e de enxergar a luz
que virá depois
que a noite passar.
Tempo de acreditar
que não há morte
sem ressurreição,
tempo de se entregar
nas mãos de Deus,
na paz da oração.
Tempo de transcender o agora
e saber que o amanhã não demora:
tempo de celebração.
Tempo de viver a experiência
do eterno no efêmero,
do amor que rouba a lógica
da surpresa que aflora
no pulsar de um coração.
Tempo de quaresma,
tempo de silêncio,
tempo de repouso,
tempo de transformação!