domingo, 18 de setembro de 2016

Sobre a morte de Domingos Montagner



Deixei passar uns dias, a emoção acalmar, a tristeza desafogar o peito e o susto dar lugar à serenidade, para escrever sobre o fato que abalou grande parte dos brasileiros nesses últimos dias: a morte do ator Domingos Montagner.

As primeiras notícias pareciam fake... Nossos corações teimavam em não acreditar! Aos poucos, a incredulidade foi dando lugar à indignação e a nós, coube apenas aceitar o inusitado.

Por que ficamos tão tristes? Ficamos tristes diante da morte que rouba sonhos e planos. Ficamos tristes diante da partida prematura de um grande artista e uma bela pessoa.

É conhecida a afirmação de que “a única certeza da vida é a morte”, mesmo assim, nunca estamos preparados para ela. Sobretudo quando a vida parece pulsar em seu auge, quando saúde, felicidade e sucesso parecem estar de mãos dadas e, repentinamente, uma outra verdade rompe bruscamente o grande espetáculo da existência. Não tem jeito, a morte ignora planejamentos. Somos vulneráveis, frágeis, pequenos demais diante dos mistérios que nos envolvem !

Além disso, não foi a morte de uma pessoa qualquer, foi a morte de um palhaço! Em nossa percepção limitada, palhaços não combinam com lágrimas. Não foi a morte de uma pessoa qualquer, foi a morte de um artista e artistas de verdade sintonizam com o que temos de mais essencial. Não foi a morte de uma pessoa qualquer, foi a morte de um ser humano que honrava valores tão desprezados em nosso tempo.

Morreu um cara diferente, esse é o discurso que se repete a cada pronunciamento. Morreu o “santo” de “sete vidas” que fez tantos se reconhecerem nas dúvidas e na paixão, nos sonhos e nos medos, na coragem, na verdade e na humanidade de seus personagens. Morreu o que, em “Velho Chico”, encarnou a fibra do nordestino que não desiste nunca.

Muitos falaram que o Domingos era um “ser de luz”...Fiquei imaginando a luz que mergulha nas águas do rio. Veio em meu coração, a imagem de um batismo: águas de purificação e renovação. Encontro de luz e água. Fim e começo. Vida, morte, vida.

Foi uma despedida. Sim, uma despedida... Não do jeito que ele ou a Camila imaginaram. Não do jeito que ninguém seria capaz de supor. As gargalhadas despertadas pelo palhaço molharam-se e calaram-se. O São Francisco – tão desprezado, maltratado e esquecido – abraçou o porta-voz de seus ribeirinhos. Um rito de passagem e, como disseram os indígenas, ele não morreu, apenas ganhou mais luz, mais força.

Não foi um evento místico nem uma manifestação holística como alguns disseram. Foi uma fatalidade. De certa forma, foi também consequência da irresponsabilidade dos que não sinalizaram devidamente o local.  Poderia ter sido diferente? Talvez sim, talvez não. Na vida real, “e se” não tem efeito algum. Triste. Surpreendente. Não estava no script. Não foi uma cena. Não foi gravação. Não fazia parte de roteiro algum.
Foi a morte de um artista. Morreu um homem de bem.  Quando artistas morrem levam um pouco de nós, porque são vozes de nossas almas. Quando homens de bem morrem deixam um tanto de si em nossos corações, reforçando nossa esperança  e nosso desejo de fazer diferença nesse mundo tão louco.

O que fica é um imenso silêncio. Silêncio de tristeza, sim, mas, sobretudo de reverência! Obrigada, Domingos Montagner, por sua arte e por sua verdade! Obrigada por sua sensibilidade e por sua alegria! Obrigada por sua luz, por seus valores, por ter compreendido e transmitido com tanta propriedade, as dores e os sonhos dos nordestinos.

 Obrigada por sua vida!

Desejo que seus filhos passem – com amor – por essa turbulência! Que vivam  – em comunhão com tantos que vocês cativou – e possam, daqui a um tempo, celebrar sua vida. Desejo que guardem em seus corações, a honra de serem filhos de uma pessoa que deixa marcas de dignidade num país atolado em corrupção e marcas de sensibilidade num tempo de indiferença  e  desesperança.

Benditos os que mergulham e não voltam, mas ficam no lugar mais sagrado de todas as pessoas: em seus corações. Bendita, a sua vida ! Bendito, o seu legado.



4 comentários:

  1. Muito lindo e profundo seu texto Renata. Creio que você conseguiu, com a doçura que lhe é peculiar, descrever a razão das lágrimas de milhares de brasileiros, que choraram o Domingos como se este fosse um amigo de longas datas. Sim, seus votos são também os nossos para os filhos que ficaram.

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  2. Querideza, só você com a sensibilidade que lhe é peculiar poderia descrever, com precisão, o sentimento de muitos e o agradecimento por uma existência.
    Parabéns pela beleza do texto e obrigado por existir.
    Beijo grande. Leo

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