domingo, 22 de outubro de 2017

Quem pegou a bússola?



Há tempos estou com vontade de escrever para partilhar meus sentimentos, meus questionamentos, minhas inseguranças e minha esperança. Às vezes me sinto como se estivesse naquelas piscinas de bolas que existem nos parques infantis, só que numa piscina funda e com o piso escorregadio. Cada dia jogam mais bolas e mais difícil se torna manter-me de pé e respirando. Outras vezes, me sinto no meio de uma multidão que, a cada hora, responde a determinado comando, mas está sem bússolas e, por isso, não sabe ao certo para onde está indo. O fato é que, a cada dia, somos surpreendidos por notícias que nos deixam indignados: são atentados terroristas, chacinas, políticos corruptos acobertados pelos que detêm o poder, jovens que matam jovens, enfim... E é assim que os meus sentimentos se encontram com os seus e quando olhamos em volta, estamos todos indignados, aturdidos, paralisados. E aí?

Tenho pensado no papel das escolas, das famílias, dos amigos, da vizinhança, da enxurrada de informações, da tecnologia, da espiritualidade (seja na vivência das religiões ou não) na formação de nossas crianças e de nossos jovens. Criamos esse emaranhado todo que é o século XXI e, agora, cabe a nós, desamarrar a realidade para ofertar a eles, um mundo – pelo menos – com esperança.

Não vou falar de cada um desses pontos que citei acima detalhadamente; quero expor as coisas que venho pensando, como sementes lançadas ao vento. Não tenho pretensão de trazer resoluções nem – muito menos – quero “colocar na roda” famílias e escolas. Espero apenas que as minhas palavras pousem em seus corações e façam brotar alguma nova reflexão. E que, da soma de nossas reflexões, geremos algum movimento novo.

Começando pelas escolas, incomoda-me profundamente ver que muitas instituições de ensino tornaram-se empresas, deixando para segundo plano, seu caráter educador. São empresas que oferecem conteúdos para que seus alunos (clientes) passem no vestibular. Importa satisfazer as expectativas dos clientes (pais e alunos), assim como fazem as concessionárias de veículos e as lojas de conveniências. Com isso, a educação se esvaziou.  O cuidado com o outro, o respeito aos professores, a ética e a cidadania, a transmissão dos valores essenciais à vida em comunidade perderam-se no meio das fórmulas de física, das listas de exercício de matemática e dos simulados periódicos.  Nesse contexto, cresce o desrespeito aos professores que não podem mais agir como educadores, já que o que se espera deles é apenas o fornecimento de informações. Nesse contexto, cresce o bullying, pois os alunos perderam a percepção da convivência com os diferentes e o movimento de criar vínculos verdadeiros com os colegas, a fim de fazer deles, amigos.

Das escolas para famílias, entramos num ambiente de carência e desencontros. A grande maioria dos pais está no mercado de trabalho, trabalhando cada vez mais para dar cada vez mais coisas a seus filhos. Não só produzem para saciar suas necessidades, mas criam necessidades para atender a ansiedade de preencher um vazio crescente, que não pode ser preenchido. Nessa roda-viva, no pouco tempo que resta para dar atenção aos filhos, fica difícil desagradá-los, dizer não, colocar limites. Mais do que os próprios filhos, os pais querem ser amados e é aí que começa a distorção de papeis e responsabilidades. Filhos não sabem mais qual o seu papel e ditam as regras. Pais não sabem mais seu papel e entram no jogo. As carências de um e outro criam uma distância entre quem realmente são e os papeis que desempenham. Assim, para os filhos, cada vez mais cursos e atividades; para os pais, cada vez mais cansaço e culpa. Para os dois, cada vez menos amor e verdade. Menos diálogo, parceria nas dificuldades e alegria verdadeira nas celebrações

Nossas crianças e nossos jovens vão crescendo assim e é assim que mergulham nos jogos eletrônicos e nas redes sociais, onde não precisam olhar nos olhos nem encarar conflitos. Tornam-se cada vez mais sós. Até aquela coisa da vizinhança amiga, onde o filho de um tomava café na casa do outro, se perdeu. Hoje, todos desconfiamos de todos e, na maioria das vezes, nem sabemos o nome do vizinho de porta.

Nossas crianças e jovens estão crescendo assim, enquanto nós – adultos – assistimos os noticiários que só falam de corrupção e violência e continuamos vivendo como se essas informações fizessem parte de uma realidade que não é a nossa. Nós, adultos, ficamos semanas e mais semanas comentando um atentado terrorista que matou 5 pessoas na Europa e nem prestamos atenção que, na Somália, outro atentado matou mais de 300... Mas onde é mesmo a Somália? Não interessa.... Ficamos arrasados com a notícia do adolescente que matou seus colegas numa escola particular em Goiânia, mas nem temos noção de quantos adolescentes têm morrido nas escolas da Rocinha e dos bairros de periferia de nosso país. É assim. Conscientemente ou não, a mensagem subliminar que passamos às nossas crianças e a nossos jovens é, no mínimo, esquisita, afinal, vida é vida, independente do lugar em que ela esteja. Estamos fechados em nossas conchas, atrás de tantas grades que vamos nos esquecendo das coisas que valem a pena na vida. Esquecemos de amar!

Está faltando amor no nosso mundo e em nossos corações, amor verdadeiro, aquele que nos faz  ser quem somos e acolher as diferenças dos que convivem conosco, sabendo que essas diferenças só nos farão crescer. Amor que nos inspira a cuidar e a respeitar o outro. Está faltando em nós, a experiência do amor, que é muito diferente das falas xamegosas de “eu te amo”. Está faltando em nós, ser presença uns para os outros, olhar para quem está de nosso lado, conhecer quem convive conosco.  Está faltando escolher uma escola para nossos filhos, pelos valores que a permeiam e não pelo número de aprovações no vestibular que ela apresenta nos outdoors. Está faltando em nossas famílias, sentar na mesa juntos na hora do almoço para repartir o frango, negociando quem vai comer as coxas, as asas e as partes que cada um gosta mais... Sair no domingo para andar de bicicleta... Sentar para estudar. Deitar na cama para contar como foi nosso dia e dividir nossos medos, mostrando que a vida não é um conto de fadas e que, nem sempre, conseguimos ter o que desejamos.

Quem pegou a bússola para nos mostrar o caminho que precisamos seguir? Vamos nos olhar, procurar em nossos bolsos e escutar nossos corações. Deixemos de lado o ímpeto de dividir as pessoas em vítimas e culpados, fracas e fortes, gordas e magras, pobres e ricas, certas e erradas e cuidemos melhor uns dos outros. Não esperemos novos atentados,  seja lá em que parte do mundo for. Não esperemos que mais um jovem atire em seus colegas ou se jogue do 30° andar do prédio onde mora. Vamos conversar mais, prestar mais atenção uns nos outros, ver além das aparências, sem julgar. Vamos transformar nossa indignação em inquietação e nossa inquietação em atitudes! Vamos?

Cá no fundo do meu coração, desconfio que cada um de nós tem uma bússola em sua mão. E ela aponta o caminho de um em direção ao outro. Vamos lá ! Tire sua bússola do bolso, vem pra cá, eu vou pra aí. Que nossas diferenças não criem paredes entre nós! Que nossas verdades não sejam absolutas, mas que tenham braços para abraçar a verdade do outro! Que tenhamos consciência de que todos precisamos uns dos outros! Que lembremos, dia a dia, que educar é dar limites e saber dizer não, assim como é valorizar os tesouros que cada um traz no coração.  Que procuremos compreender mais e julgar menos... E amar de verdade.

Escrevendo aqui, comecei a sentir meu coração pulsar de um jeito diferente... Sinto a esperança mostrar sua primeira folhinha, ao brotar. Começo a acreditar que somos capazes de sair da piscina de bolas e correr pelos jardins, sentindo a liberdade que nos foi dada de presente. Somos capazes, sim,  de nos afastar da multidão e pegar pela mão quem está perto de nós, pra brincar de roda, pra sentar no chão, pra olhar nos olhos e, juntando nossas bússolas e nossa vontade de ser feliz, fazer uma história diferente.

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