sábado, 17 de janeiro de 2009

Amanhecer na cidade

Manhã de um sábado de verão, sete horas.... A cidade amanhece mas as pessoas continuam dormindo... O barulho dos motores dá lugar aos passarinhos e os cães latindo orquestram aquela brisa gostosa que traz a claridade da manhã...
Eu caminho. E no caminho encontro algumas pessoas cuidando de si. Primeiro, um casal de idosos passa ao meu lado, passos lentos, rostos serenos...quanta história pra contar naquelas rugas ! Suadas e dispostas, algumas mulheres aceleram o ritmo dos passos e caminham perdendo as calorias indesejadas....
Duas motos rompem a harmonia da orquestra da natureza, rapazes cumprem a responsabilidade de entregar os jornais na hora marcada. Taxistas parados na esquina e, de repente, um carro buzina e duas meninas descem do prédio... O ritmo do amanhecer é diferente, parece que as pessoas estão mais “gente” e dá pra sentir uma energia boa no ar .
Os olhos com que vejo a cidade que amanhece, também é diferente ! Mais perspicaz, capta detalhes que passam despercebidos na agonia da pressa das horas em que o mundo acontece....
A rua por onde caminho é de um bairro de classe média mas, apesar disso, é cortada por um canal de esgoto... (Engraçado pensar que isso pode ser uma metáfora... Nada mais claro do que ver um canal de esgoto passando bem no meio da classe média.... E é na beira do esgoto que a classe média caminha.... ) Olho para o canal e descubro que uma vegetação diversa e bonita povoa seus arredores... E no meio do mato, florzinhas brancas de miolo amarelo quebram o verde que sobrevive aos copos descartáveis e papéis amassados que compõem a paisagem do lugar.
Olho para o chão e começo, então, a observar os pés que caminham por ali, em sua maioria, calçados de tênis...Tênis brancos, vermelhos, pretos... e, de repente, que engraçado, um sapato engraxado ! Levanto os olhos e um rapaz bem vestido, de maleta na mão, caminha apressado... Dou uma risada calada para mim mesma e penso: “alguém vai para o trabalho, ao amanhecer de um sábado de verão, nesta cidade”.
Um ciclista passa com walkman no ouvido, passa cantando.... O zelador de um prédio abre o portão, varre o chão e olha para o céu... Fica parado por um tempo e volta, fecha o portão e segue à rotina de mais um dia de trabalho.
As escolas da rua estão fechadas, é tempo de férias... As empresas da rua estão fechadas, é dia de folga... Abertas, apenas a banca de jornal com o jornaleiro sentado a frente, esperando alguém pra comprar o jornal e a barraquinha de frutas, na qual, mais tarde um pouco, eu vou parar para tomar uma água de coco...Ah, afinal eu sou filha de Deus !
Deus ? Deus ! De repente aqui escrevendo, eu percebo que caminhando na cidade amanhecendo, eu rezei ! No taxista parado na esquina, na menina sorrindo na janela, na florzinha branca de miolo amarelo, no zelador varrendo o chão, no verde vencendo a poluição...eu vi Deus ! Eu vi Deus no passarinho que cantava e nos cães que latiam, no casal de idosos que caminhava e sei lá de quê sorriam, nas mulheres cuidando do corpo, no motoqueiro entregando o jornal e na brisa suave em meu rosto aquecido pelos primeiros raios de sol... Eu vi Deus brincando de esconde-esconde com o povo que andava sem pressa e olhava a festa que Ele pode fazer... Não foi no motor da moto mas nos olhos do motoqueiro, não foi na sujeira do esgoto mas no verde sobrevivente que anima o jornaleiro, que eu vi Deus com toda sua paixão pela humanidade !
Sábado, de manhãzinha. Verão ! E meu coração encontrou Deus morando na minha cidade... Que felicidade!

Renata Villela
Escrito em Janeiro / 2005

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