quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"O mundo que vivemos, o mundo que enxergamos, o mundo que queremos"

Desde a semana passada venho me fazendo algumas perguntas sobre a distorção que existe entre o nosso desejo e o nosso comportamento diante das coisas do mundo. Desejamos um mundo de paz, onde a solidariedade e a justiça rejam as relações mas, na hora do “vamos ver”, vivemos entre desconfianças, construindo muros e usando lentes de aumento para tudo o que há de negativo.
Em primeiro lugar, acredito que por senso de auto-preservação, todos os nossos movimentos têm sido de auto-proteção. Se por um lado isso é instintivo, faz parte de nossa natureza, por outro, nos leva a viver cada vez mais distanciados uns dos outros. A prerrogativa passou a ser “desconfie de todos até que provem que são confiáveis”, o que nos faz estar sempre em posição de defesa. E se estamos em posição de defesa é porque esperamos ser atacados a qualquer momento, o que indiretamente é também um ato de violência.
Criamos estilos de vida que nos mantém enclausurados. Trancados em apartamentos, em condomínios que nos proporcionam vida em comum com aqueles que são de nossa mesma “classe”. Vivemos em guetos. Criamos nossos filhos com o discurso da esperança em um mundo melhor, pregando valores de igualdade e fraternidade mas, em paralelo, limitamos seus espaços de circulação, pregando a máxima (mesmo que de forma meio dissimulada) de que o mundo é um perigo constante, um campo de batalha.
Nesses dias participei de uma palestra muito interessante sobre o uso seguro da internet e todo tempo foi dispensado em alertas sobre o risco de pedofilia, de rackers, invasão de privacidade e coisas do gênero. Um tema bastante oportuno, sem dúvida; um alerta necessário, sem dúvida; mas conversando com outras pessoas partilhávamos a nossa preocupação com os monstros que criamos na cabeça das crianças em relação à humanidade... E qual o caminho ? O que é melhor: fazer esse alerta às crianças e protegê-las do mal que se propaga com cara de bem ou amenizar as ciladas do mundo de forma que as crianças não reproduzam esse comportamento de encarar todas as pessoas como inimigas?
Será que conseguiremos criar um mundo melhor de se viver, construir vínculos de confiança entre as pessoas e resgatar nossos corações de criança, vivendo nosso dia-a-dia entre grades de proteção, encarando todo mundo como inimigos em potencial ?
Isso me assusta ! Assusta-me perceber que as pessoas desconfiam da gratuidade dos sentimentos e se defendem com armaduras, imaginando formas de serem lesadas, acreditando que por trás de todas as atitudes há um interesse. Assusta-me perceber que a ingenuidade e a simplicidade do querer bem, do querer cuidar ganharam, na cabeça de muitas pessoas, uma perspectiva de poder. A ternura de amizades verdadeiras começou a trazer interrogações sobre o para quê o outro se aproxima, por quê o outro se predispõe a fazer algo sem cobrar nada em troca. Relacionamentos parece que também entraram no mercado, tornaram-se mercadorias do capitalismo selvagem... Será ?
Eu acredito na bondade dos corações e não quero deixar de acreditar. Eu acredito na gratuidade e disponibilidade de amizades verdadeiras e quero continuar acreditando. Eu acredito que a tecnologia pode ser usada para o bem e quero continuar acreditando... Mas também não quero viver sob riscos constantes, não quero ser desatenta nem displicente em relação às coisas do mundo... Qual a exata medida para buscar a segurança sem perder a graça do que a humanidade nos traz de bom ? Não sei...
Incomoda-me fechar os vidros do carro correndo, a cada vez que paramos na sinaleira; incomoda-me ter mil e um cuidados na internet muitas vezes deixando de lado a espontaneidade do que a gente sente vontade de fazer. Incomoda-me ter que pensar antes sobre como agir com as pessoas para evitar mal entendidos ou melindres... Incomoda-me o gosto de sangue da maioria dos telejornais... Incomoda-me desejar um mundo mais integrado e disseminar, com minhas próprias atitudes, a imagem de um mundo desagregado e injusto.
Essa inquietação tem me movimentado a uma revisão pessoal, a um olhar mais criterioso sobre mim e sobre o mundo e um desejo de fazer diferente... Não sei exatamente o quê nem exatamente como mas sinto que alguma coisa pode ser melhor do que tem sido e que cada um de nós pode contribuir de alguma forma para dar outro rumo a nossa história.
Será que, algum dia, voltaremos a nos olhar sem medo, a nos encontrar sem atenção redobrada, a confiar uns nos outros sem antes termos que provar que somos do bem?
Renata Villela / agosto - 2010

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