segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Visão de Passarela


Do alto da passarela, olho carros em velocidade,guiados por motoristas que têm pressa de chegar em algum lugar... Seja onde for ! Cada um em seu mundo,pressionado por centenas de obrigações e preocupações...
Do alto da passarela, vejo ônibus lotados, gente que se empurra e se aperta , disputando um lugar, querem seu espaço, brigam por um espaço... Cada um em seu mundo, pressionado por centenas de obrigações e preocupações...
No alto da passarela, vejo pessoas andando com pressa, adolescentes conversam, ambulantes mostram seus produtos, pessoas correm por causa do horário, pessoas passeiam lentamente...Todos suados por causa do calor, todos pressionados por centenas de obrigações e preocupações...
No meio do caminho, no alto da passarela, tinha um homem caído no chão... Parecia dormir....Todos passavam, olhavam desconfiados e seguiam adiante... Também segui... fui almoçar... Aproveitar a uma hora que me cabia para atravessar a passarela, subir no shopping e me alimentar.... Fui !
Mas quando voltei, a surpresa: o homem agora estava de bruços, com a boca no chão... A boca no chão.... Todos passavam e olhavam desconfiados... Mas todos seguiam em passos apressados ! Mesmo indignados, apenas olhavam, olhavam... e seguiam... Eu também olhei, eu também parei... E, infelizmente, eu também segui !!! Mas não consegui continuar, não consegui parar de pensar no Deus escondido naquele homem jogado no chão... Voltei!
Chegando perto do homem, percebi que ele apenas dormia, mas a dor que eu sentia vendo-o, ali, sob o sol, deu um nó na minha condição de sobrevivente da cidade grande, com tanta gente pequena... inclusive eu !
Acordei-o... O homem era cego e perguntou pelo cabo de vassoura que lhe servia de apoio para caminhar. Eu lhe entreguei e ele disse que estava com fome. Daí,dei a ele os trocados que eu tinha. Engoli a agonia de sentir a responsabilidade de ter tanto mais a fazer ... Deixei-o de pé e segui... Desci a passarela e, de longe, fiquei a olhar aquela cena: o cego, encostado na grade da passarela, sacudindo a caixinha de canetas que vendia e sentindo a agonia da fome.... Ao seu lado, as pessoas seguindo na velocidade de suas necessidades pessoais...
Quanto tempo ele ficou ali ? Não sei ! Dormiu novamente ? Sentiu, novamente, na pele, a solidão da batalha diária, a injustiça da corrida diária ? Não sei !
Sei que ele era cego.... Mas fomos nós que não o vimos.... Sei que ele era cego... Mas somos nós que não enxergamos a realidade que, sem nenhuma maquiagem, existe na paisagem da passarela dessa cidade grande com tanta gente pequena... inclusive eu !
Um cego.... tantos cegos.... quem são mesmo os cegos da passarela ????


Renata Villela

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