quinta-feira, 16 de abril de 2009

On the corner

Eu cresci ouvindo falar das ruas de Nova York, em cada esquina um idioma, mistura de raças e costumes, religiões e culturas.....Um lugar onde tudo é relativo, afinal conviver com as diferenças amplia o grau de flexibilidade das pessoas.... e a sociedade ganha uma pluri-verdade que traz o sabor do que é universal para cada esquina....
Nunca fui a Nova York mas moro na Bahia há 32 anos.... e sem querer ser bairrista, ufanista ou nacionalista, cada dia tenho mais certeza de que não preciso ir muito longe para ver situações das mais inusitadas que nascem dessa “mistura” que, como já propagandeado aos quatro cantos do mundo, “só se vê na Bahia”.
Quando penso que não vou mais me surpreender com nada, vem uma novidade que me faz pensar que, se não estou num dos lugares mais bonitos do mundo (tem gosto pra tudo!), estou com certeza num lugar em que as pessoas sabem viver melhor. Exercitam a criatividade e comungam bom humor junto com uma capacidade ímpar de transformar situações, re-significar sentimentos e escrever uma história nova a cada dia, com uma pitada de ousadia, irreverência e simplicidade. O que em outros lugares é um absurdo, aqui é natural; o que em outros lugares é inconcebível, aqui é cultural.... O que poderia chocar, faz rir.... O que poderia causar constrangimento ou irritação traz um gosto de surpresa que faz o coração se perguntar “como é que pode?” mas sem se sentir ofendido ou alfinetado....
Todo mundo sabe que a Bahia é terra festeira e o povo sai lavando um pouco de tudo o que existe na cidade, da igreja do Bonfim à Praia do Forte. Com água de cheiro ou com cerveja, com baianas vestidas com o traje mais tradicional ou com baianos e abaianados com seus abadás, encarando o calor da caminhada no asfalto na areia, lá vai o povo... Sob o espírito da fé ou sobre a graça da maré que sai levando (e lavando) tudo o que é gente, lá vai o povo...
Baiano é um povo retado e trabalhador, quem mora aqui é que sabe.... A questão é que baiano entende a vida pelo lado da alegria e da arte, do bom humor e da flexibilidade, da criatividade e da capacidade de transformação porque sabe que estresse enfarta, deprime, fragiliza e não traz solução diferente. Por isso esse povo mesmo sofrendo, chorando, “comendo o pão que o diabo amassou”, canta, dança, lava e reza porque sabe que “Deus é mais!” E é de todos !
Ontem, soube de mais um desses “causos” que nos calam.... Soube eu, que um padre novo chegou numa paróquia de Salvador. Logo, logo ele foi “convocado” para uma reunião: era mês de fevereiro e era necessária a autorização dele para uma festa tradicional do lugar, “ a lavagem dos cornos”. Isso mesmo ! Fazia parte da tradição do lugar, a reunião dos cornos para lavar as escadarias da igreja.... O padre anterior até os aspergia, água benta da verdadeira..... E aí? Como é que o pobre padre novo lida com uma situação dessas ?
- É este, mais um grupo de “excluídos” tentando se incluir na sociedade ?
- Um grupo de homens sofridos querendo a proteção de Deus ?
- Ou simplesmente um grupo de baianos bem assumidos querendo comemorar, com a proteção de Jesus, sob o olhar misericordioso de Nossa Senhora de Lourdes, entre terços e patuás, entre acarajés e abarás, a graça de saber que, independente “do que se tenha na cabeça”, é preciso ter muita alegria “bombando” no coração, pulsando no cotidiano e animando a vencer os tropeços, as trapaças e os trancos que a vida, de um jeito ou de outro, nos faz encarar ???.....
Com a indignação do inusitado, eu declaro meu amor por este povo que sempre surpreende e que, por isso, encanta ! Quem vai querer jogar pedras nos cornos ? Quem vai querer engolir o riso que escapole com as artes que esse povo inventa ? Quem vai tentar dizer que esse é um causo comum, que acontece em qualquer canto e que não causa espanto aos desavisados de plantão ?
Então ! Não importa se é chifre, boné, coroa ou trancinha que esse “meu” povo tem na cabeça, importa que tem seu reinado garantido na terra da fé e da alegria, do trabalho e da folia, da magia e da realidade. Aqui é a Bahia !
De alma lavada, resta-nos andar ! Andar com passo de baiano, que não é um passo qualquer.... “Andar com fé, que a fé não costuma falhar” ! A gente se vê por aí, on the corner ou com os cornos, na Barra, na Praça da Sé ou lá na porta da igreja para ver no que isso tudo vai dar.... E que seja o que Deus quiser !

Renata Villela

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